A Córsega é uma montanha no meio do mar

Destinos

Percorrer a Córsega é desfiar um rosário de montanhas e praias, atravessar uma paleta de verdes secos e azuis-turquesa, com as manchas de casarios cinzentos a marcar a presença humana. Uma ilha selvagem num mar manso, com todo o sabor do Mediterrâneo.

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A Córsega, da costa à montanha

Ao visitar a Córsega é quase inevitável começar pela costa. Os ferrys chegam do sul de França, a tão contestada terra-mãe, com destino a Ajaccio, Bastia, Île-Rousse e outros portos mais pequenos. Optámos por Bastia, a segunda cidade da ilha, e não ficámos desiludidos com o seu ambiente latino: como nos filmes italianos, jovens de motoreta param a conversar, com o pé no passeio, e grupos de raparigas bem produzidas sentam-se aos molhos pelos jardins junto ao cais. Vale a pena percorrer o velho porto, na zona da cidade conhecida como Terra-Vecchia – uma meia-lua de edifícios antigos, de onde se destacam as torres de várias igrejas. Aqui mora todo o pitoresco que iremos continuar a encontrar pela ilha: barcos coloridos dos pescadores misturados com barcos de lazer, pequenos restaurantes típicos escondidos em ruelas estreitas, gente calorosa, sempre pronta para a conversa.

As distâncias são curtas e, a menos que se opte pelas estradas secundárias que cruzam as montanhas do interior, é possível atravessar a ilha num dia. Mas para conhecer melhor este pequeno “país”, de características tão próprias e com um sentimento de diferença tão forte, que originou uma luta pela independência mantida até hoje, o melhor é ficar por uns tempos. E, sobretudo, encarar com descontracção todos os cruzamentos sem placas, e todas as placas queimadas ou destruídas a tiro, de tal maneira que nem conseguimos saber onde estamos – de qualquer modo, basta acenar com o braço pela janela do carro, e há logo alguém disposto a parar para dar informações.

St.-Florent revelou-se demasiado turística e agitada, com marinas e cafés mundanos invadidos por estrangeiros e bastante descaracterizados. Mas a estrada continua até à costa oeste, passando por duas das mais interessantes áreas da Córsega: o deserto dos Agriates, mar de pedra sobre o Mediterrâneo, apenas vislumbrado do alto da Bocca di Vezzu; e a região de La Balagne, uma sucessão de colinas verdes onde se aninham aldeias cinzentas, de ar austero. A estrada rodopia até Calvi, que parece avançar pelo mar dentro, empurrada pelas colinas verdes que antecedem a península. Espera-nos uma cidadela do século XIII e uma bela praia com seis quilómetros, debruada a pinheiros e suficientemente ventosa para os apreciadores de windsurf. Como a Córsega pertenceu aos senhores de Pisa e depois de Génova, antes de ser integrada no território francês, esta é uma das cidades que disputa, com outras de Itália, a honra de ter sido o lugar de nascimento de Cristóvão Colombo, de quem se sabe apenas que era “genovês”. Depois de percorrer as fortificações e as agradáveis ruas da baixa, convém subir à Notre-Dame-de-la-Serra, a 6 quilómetros, para uma excelente vista sobre a cidade.

Galeria e Girolata são pequenas praias deliciosas, nascidas no local exacto onde o mato – o perfumado maquis corso – encontra o mar. Os nomes têm ressonâncias latinas bem diferentes do francês, mas também não se trata de italiano: o corso é uma língua própria, de raízes celtas e lígures, posteriormente latinizada e extraordinariamente próxima do toscano medieval. Buciardu cume a scopa – mentiroso como a urze (que floresce e depois não dá frutos) é uma expressão que reúne a língua e a paisagem típicas da ilha. A estrada, quase sempre sinuosa e estreita, percorre quilómetros de arbustos selvagens numa varanda sobre o mar, rasgada na rocha das falésias. Flores e cheiros quentes de alecrim e estevas entram no carro, mesmo com o vidro fechado contra o horrível mistral, que consegue arrefecer até os raios de sol.

A chegada à minúscula baía de Porto é anunciada pela sua torre genovesa, empoleirada numa rocha avermelhada sobranceira à praia de seixos cinzentos. Espalhadas por toda a costa, estas torres de vigia foram construídas durante o século XVI, para avisar as populações da aproximação dos corsários sarracenos, que tantas razias faziam na ilha. Reconstruídas, são o símbolo do turismo corso e muitas estão abertas a visitas, servindo como óptimos miradouros. Próximos de Porto, mais duas belezas naturais da Córsega: o rio Fangu, que troca as suas águas com as do Mediterrâneo numa magnífica praia de areia negra, e as Calanches, formações rochosas tão extraordinárias que merecem a protecção da UNESCO. A estrada corta pelo meio de dedos, caras, monstros que se levantam do chão e se recortam no azul do mar, mas só a pé se pode chegar junto de algumas das formações mais conhecidas.

Até Ajaccio, a costa é muito recortada e não são muitas as praias de areia. A capital da ilha é uma cidade agradável, onde o nome de Napoleão aparece um pouco por todo o lado, em ruas, lojas, etc. Este é o mais famoso filho da Córsega e a sua casa está aberta aos visitantes. No animado porto Tino Rossi, palmeiras e casas em suaves cores pastel debruçam-se sobre os barcos dos pescadores, transformados em miniaturas pelos enormes ferrys, de ligação ao continente. Ali próximo, o mercado é o lugar ideal para comprar alguns dos produtos locais, como os doces de castanha, fruto tão abundante que chega a ser usado para dar sabor à cerveja!

Uma estradinha estreita leva-nos até à torre genovesa da ponta de Parata, de onde se avista as três colinas negras das ilhas Sanguinaires, levantando-se de um mar turquesa-transparente. De Ajaccio a Bonifacio, não faltaram as tiras de areia fina e branca a debruar aquele azul gelado, onde os barcos parecem pairar. Os arredores de Propriano e Campomoro escondem, talvez, as mais apetecíveis. Quando o mistral está demasiado forte e a praia não apetece, esta zona proporciona outros atractivos: situam-se aqui os mais importantes locais pré-históricos da ilha. Filitosa, por exemplo, onde se alinham dezenas de menires e outros monumentos megalíticos bem cuidados, ou Palaggiu e Ca Uria, lugares mais “selvagens”, que obrigam a passeios pelo campo, por entre urzes e fossadas de javalis.

Bonifacio é uma das mais encantadoras cidades da Córsega. Com o seu casario beje empoleirado numa falésia comprida que entra no mar, tem a forma de um barco e a atmosfera de um velho castelo. O calcário branco que a constitui vai-se esboroando, formando ilhotas que poisam na água verde-esmeralda do extremo sul da ilha. A dois passos fica a baía de Rondinara, talvez a mais bonita de todas e, mais adiante, a de Porto-Vecchio – onde também fica o restaurante U Fado, com especialidades portuguesas…

Depois de bem explorada a costa, partimos à descoberta do interior. Para isso, escolhemos estradinhas de montanha, que rodopiam entre florestas e pinhais. Deixamos, aos poucos, as extensões de mato rasteiro; sobram os medronheiros, e outras árvores de pequeno porte, para além dos enormes lariços, que nascem do granito cinzento dos montes. Entre Zonza – num enquadramento fantástico, com os pitões negros das Agulhas de Bavella por trás – e a cidade histórica de Corte ficaram paisagens de montanha dignas dos sonhos de qualquer caminhante. Sucedem-se os colos – alguns com arcos perfurados – e os bosques. Por todo o lado há ovelhas e cabras. Mas curiosa e inédita é a abundância de varas de porcos em liberdade, alimentando-se do que encontram. Cruzam-se com os abundantes javalis – quem não leu o “Astérix na Córsega”? – dando origem a uma espécie mista, mas nada agressiva. De vez em quando, numa sombra da estrada pára um carro, e aparece alguém com milho para dar aos porcos;  embora vivam em liberdade, todos têm um dono que os vem visitar de vez em quando…

Corte é o lugar ideal para servir de base enquanto se percorre as gargantas de Spelunca, Restonica, e o vale de Asco, no sopé do ponto mais alto da ilha: o monte Cinto, com 2706 metros. As primeiras são grandiosas e deixam ver de novo, ao longe, o azul do mar. Das gargantas de Restonica pode continuar-se a pé, e subir a dois dos mais belos lagos do monte Rotondo: o Melo e o Capitello. Por fim, no vale de Asco, para além das paisagens mais características da Córsega encontra-se também uma importante Reserva Faunística, que protege espécies de montanha como a águia e o muflão (espécie de cabra-montesa), entre muitos outros. Quanto à cidade de Corte, a parte antiga também lembra de novo um barco mas, desta vez, petrificado e longe do mar. E para chegar à costa são mais algumas centenas de curvas por uma paisagem invejável, com paragem na igreja de S. Micchele, construída em estilo “corso” – o Românico Pisano. Lá em baixo espera-nos o porto de Bastia, e o ferry que nos vai arrancar daqui.

Embora esta seja uma ilha mediterrânica, o que faz dela a “ilha da beleza” é, justamente, a combinação única de montanha e mar. Um percurso lógico não pode ignorar estas duas faces de um dos lugares mais belos da Europa.


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