Guna Yala, o Panamá a azul e verde

Destinos

Dizem que tem uma ilha para cada dia do ano, mas até tem mais: Guna Yala é um mar turquesa a perder de vista, polvilhado por ilhas de areia branca cobertas pelo verde dos coqueiros.

 Guna Yala, terra dos gunas

Kuna ou Guna* é o nome do grupo indígena que habita o arquipélago de San Blás, no Panamá, constituído por trezentas e setenta e oito ilhas e parte da região costeira ao longo do mar das Caraíbas. Daí o nome Guna Yala, Terra dos Gunas. São cerca de 70.000 no Panamá, mas também há comunidades na Colômbia e na Costa Rica.

As ilhas são pequenos tufos de coqueiros que parecem despontar do mar, um mar que parece um lago transparente sobre um fundo de areia branca, onde descansam estrelas-do-mar maiores que a minha mão, cinzentas, lilases ou cor de laranja. A temperatura do ar e da água são muito próximas. Os olhos descansam no azul, no verde, no branco, no infinito. Pores-do-sol dignos de um pintor, palhotas típicas com adaptações de casas de banho, para conforto mínimo. Comida gostosa, bebidas frescas.

O mar em redor é plácido sempre que não está vento – que é quase sempre. Há recifes de coral, barcos encalhados, locais “secretos” onde podemos ouvir o silêncio ou contar os veleiros que passam ao longe. Algumas ilhas especializaram-se em grupos e festas, gente da Cidade de Panamá e turistas estrangeiros, em busca de praia e álcool ao som do reggaton mais pimba do planeta.

Escolhemos Coco Blanco pelo sossego. A ilha atravessa-se a pé em cinco minutos, sem exagerar. Há redes de descanso à porta de cada palhota, umas mesas e cadeiras desconjuntadas, feitas de madeira de coco e meio enterradas na areia. Combina-se passeios de barco às outras ilhas ou ao alto mar, onde se ancora o barco numa plataforma de areia com água que nos dá pelo peito. Aqui podemos escolher entre boiar de barriga para cima, à espera de ver as estrelas no céu, ou de barriga para baixo, e ver as estrelas-do-mar. E nada mais importa…

As ilhas habitadas permanentemente são as que ficam mais próximas de terra e das maiores “cidades” guna, El Porvenir e Cartí. Aí, quase não há espaço entre as casas, que já transbordam para o mar, as praias e os coqueiros não são uma prioridade. É nas mais afastadas que encontramos o paraíso tal como é concebido pelos humanos desterrados da natureza, os habitantes das cidades de asfalto e cimento. Nestas vivem apenas os donos ou funcionários da ilha, que ali estão apenas para receber os turistas e tratar dos coqueiros. Não é lugar para convívios. Mas em Coco Blanco fui atropelada pelo barco que me trouxe e, à falta de gelo, usei uma cerveja fria para acalmar o buraco negro que fiz na perna. E aí está um belo motivo para engatar uma conversa de noite dentro com o responsável pelas três cubatas de aluguer. Betsander não poupou histórias de gunas, boas e más – a vida real a acontecer, mesmo numa ilha com três palmos.

Apesar da comarca de Guna Yala ter um dos maiores graus de autonomia da América Latina, a terra é dos gunas há relativamente pouco tempo: no século XVIII, só viviam nas ilhas os ocasionais piratas e exploradores. Hoje, menos de 50% delas são habitadas e maioritariamente de forma sazonal, sobretudo por causa do turismo.

É verdade que em janeiro e fevereiro a meteorologia também não é muito favorável para quem habita um pedaço de terra que fica apenas uns centímetros acima do nível do mar: os chocosanos ou “tempestades de leste” chegam com ventos que levantam ondas monstruosas, virando barcos e varrendo as ilhas de uma ponta a outra, casas e gente incluídas. Mas isso não impede que as mais remotas sejam por vezes utilizadas por traficantes para pernoitar, com a Colômbia ali tão perto e a recusa dos chefes gunas em aceitar patrulhas da guarda-costeira panamiana nas suas águas.

A revolução guna de 1925 foi isso mesmo: a expulsão de toda a polícia do seu território, já que trazia mais dano do que vantagens. Desde aí, o governo local apoia o povo no desejo de viver à sua maneira e o turismo aparece como mais uma fonte de rendimento. Os únicos que parecem ter interesse em contactar diretamente com os turistas são os vendedores de molas, essas obras de arte da costura que imitam as pinturas corporais usadas pelos gunas até serem convencidos pelos missionários que andar nu era mau, altura em que desataram a reproduzi-las em engenhosas sobreposições de tecidos coloridos.

No início, os gunas migraram para as ilhas, onde viviam da pesca e da produção de coco, que era exportado para a Colômbia. Mas hoje, o turismo e a venda de molas já ultrapassa o rendimento dos cocos. As decisões que interessam a todos são tomadas duas vezes por ano, em grandes reuniões tribais de chefes (cada ilha tem, pelo menos, dois chefes), reconhecidas pelo governo panamiano, onde deliberam sobre assuntos como o preço dos cocos, a autorização de construções ou a proibição da venda de terra a estrangeiros.

Há quem se queixe que os gunas são pouco amigáveis ou dados a sorrisos, cobrando aos turistas por tudo, desde por o pé na comarca (20 dólares) a entrar em cada ilha (3 a 10 dólares), tirar fotos às mulheres, que continuam maioritariamente a usar o colorido e fotogénico traje tradicional, com blusas de mola, saiote garrido e pernas cobertas por perneiras de missangas – os homens, esses já deixaram o saiote tradicional há muito, preferindo as roupas ocidentais. O problema do lixo e da poluição também é um assunto mal resolvido por um povo habituado a que o mar leve tudo, desde o tempo em que este era biodegradável até aos dias de hoje, onde predomina o plástico. O turismo parece ser considerado uma espécie de “mal necessário” para criar rendimento. Mas a verdade também é que a grande maioria dos ocidentais que chega às ilhas está mais interessado em aproveitar as belíssimas praias de coqueiros das ilhas, o seu ambiente de Robinson Crusoe, as palhotas e barcos tradicionais que parecem flutuar num mar transparente e turquesa, passando os dias a apanhar sol mais ou menos despido, no mar ou na areia, e demonstrando pouco interesse pelos seus anfitriões.

Todos os males considerados, fica aqui um conselho de quem nem sequer gosta de praia: não vale a pena ir só por um dia.

*Em 2011 foi aprovada pelo governo panamiano, a pedido dos próprios gunas, a mudança do nome kuna para guna, já que na sua língua o som k não existe. Para os falantes do Porto (Portugal), esta versão tem muito mais graça …


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