Labrang, Tibete

Lugares Improváveis

Na China há liberdade de culto desde que não se dê muito nas vistas. Xiahe fica num canto escondido deste grande país, e por isso pode dar-se ao luxo de combinar templos chineses, mesquitas, e o importante mosteiro budista tibetano de Labrang.

Um pedaço de Tibete na China

Xiahe é o nome chinês de uma pequena cidade no nordeste da China, que nos faz sentir um pouco do que é o Tibete. Curiosamente, antes de chegar à povoação passamos por várias aldeias onde o que sobressai da arquitetura são minaretes de mesquitas de um estilo bem chinês: com vários andares, cada um decorado por telhados coloridos de pagode com as esquinas arrebitadas. Mas as sombras negras dos iaques e os mantos castanhos ou vermelhos dos tibetanos vão-se também misturando na paisagem, antecipando a chegada a este pequeno “Tibete”.

A grande atracção de Labrang – ou Xiahe – é o grande mosteiro que lhe dá o nome, da ordem Gelukpa do budismo tibetano. Durante todo o ano são aos milhares, os tibetanos que aqui vêm em peregrinação, a pé ou em camiões carregados de gente. Muitos acampam na outra margem do canal estreito e sujo ao longo do qual a povoação foi crescendo. Cheiram a fumo e a ranço, e da cabeça aos pés são uma nuance de castanhos e pardos, interrompida pelos brincos de turquesas e pelos sorrisos brancos e furtivos – que só aparecem depois de vencido o espanto por encontrarem seres tão estranhos como eu. Devotamente, prostram-se frente à porta do mosteiro antes de entrar e circundam dezenas de vezes toda a sua área, incluindo as stupas*, fazendo rodar todos os moinhos de oração dourados que por ali se encontram dispostos.

O número de monges a viver no mosteiros de Labrang tem vindo a aumentar desde a Revolução Cultural, que quase terminou com a vocação religiosa do sítio. Muitos praticam os seus instrumentos musicais, outros rezam ou passeiam pelas ruas nas horas vagas, demonstrando uma curiosidade infinita em relação aos turistas ocidentais. Divertidos, comparam os pêlos dos braços e tentam comunicar de qualquer maneira, pedindo fotos do Dalai Lama, proibidas na China, ou que façamos fotos deles próprios com os amigos. A um deles, depois de muitas e insistentes tentativas de comunicar, decidi mostrar os caracteres chineses constantes no meu guia para “não falo mandarim”. Encantado com a ideia, arrancou-me o livro das mãos e procurou uma frase que lhe conviesse; escolheu “apetecia-me comer veado” e desatou numa risota contagiante…

A terra estende-se ao longo de um vale estreito, a quase três mil metros de altitude, apertado entre duas montanhas carecas. Subindo a uma delas, vemos a colmeia das casas a acompanhar as curvas do vale, baixas e achatadas, como um rio cor de terra, de onde se destacam apenas a cúpula dourada e as paredes alaranjadas do mosteiro.

Na parte nova da cidade situam-se alguns discretos templos chineses e o bairro muçulmano, com as suas mesquitas. Os hui, como são chamados os muçulmanos de etnia han (a maioritária na China), chegaram mais tarde mas vivem na paz dos rejeitados; como o sistema político nunca viu com bons olhos a religião, fosse ela qual fosse, eles e os budistas estão unidos pela desconfiança com que são aceites. Todos usam um chapelinho branco que parece de pasteleiro, onde as mulheres aproveitam para esconder os cabelos. De sorriso pronto, ocupam-se nas suas lojinhas de produtos para peregrinos, e não destoam na confusão do trânsito, nem atmosfera pacífica da cidade.

As mesquitas só estão abertas à hora da oração e, francamente, ninguém parece dar grande importância ao credo de cada um. Limitam-se a viver as suas vidas de modo simples, tirando partido da crescente liberdade e da afluência de peregrinos, que fazem crescer o negócio. Mas o mosteiro de Labrang, responsável pelas hordas de nómadas vestidos a rigor que transformam a cidade numa pequena Lhasa, continua a ser o coração da cidade.

* construções em forma de sino que fazem parte da simbologia religiosa budista


Pub


Quando viajo faço sempre um seguro de viagem pela Nomads


Deixe o seu comentário!