“Qual é a imagem que a Europa tem de África? Fome, crianças que parecem esqueletos, solos secos, cidades de lata, massacres, sida, milhares de refugiados sem teto, sem roupa, sem medicamentos, água, pão.” São palavras de Ryszard Kapuscinski no seu livro “Ébano – Febre Africana“, uma brilhante introdução ao continente africano, mesmo uma dúzia de anos após a sua publicação em Portugal.
Ébano, histórias de África de Ryszard Kapuscinski
Com um passado marcado pelas colonizações, África continua a ser vista como um poço de desgraças onde todos os males do planeta parecem concentrar-se, segundo Ryszard Kapuscinski. E é com este imaginário que vamos ao seu encontro, quando pomos pé no grande continente negro. “Mas a verdade é que África tem vida própria, existe por si própria e em si própria, fechada sobre si mesma, um continente, terra de bananeiras, de campos de mandioca, de selva, do Sara, dos rios cada vez com menos caudal, de florestas com clareiras cada vez maiores, de cidades doentes e monstruosas – uma região do mundo, cheia de uma poderosa e inquietante energia.”
Para penetrar mais fundo no que é este grande mundo desconhecido, Ébano é um livro indispensável. Das diferenças culturais profundas, como os conceitos de culpa judaico-cristãos trazidos pelos missionários, à repulsa da sedentarização por parte de tribos nómadas como os tuaregues, este mundo paralelo aparece-nos de forma compreensível página após página, numa linguagem que só poderia ser a de um jornalista. Escrito por Ryszard Kapuscinski, repórter polaco que trabalhou em África durante cerca de quarenta anos como correspondente e fotógrafo, proporciona-nos uma abordagem desapaixonada e sincera, sem saudosismos paternalistas ou imagens românticas. “África Nua” também seria um bom título.
Ryszard Kapuscinski nasceu a 4 de março de 1932, na cidade de Pinsk – hoje, na Bielorrússia. Licenciado em história, iniciou a sua atividade de jornalista escrevendo reportagens sobre a reconstrução da Polónia. Foi enviado, ainda nos anos 50, como correspondente para a Ásia (Índia, Paquistão, Afeganistão) e para o Médio Oriente. Mais tarde foi correspondente em África e na América Latina, percorrendo países como Etiópia, Gana, Ruanda, Uganda e Angola, para acompanhar os movimentos independentistas, as revoluções e as guerras. Mas também a vida comum, os indivíduos, os que humanizam um continente “demasiado grande para poder ser descrito”, “um verdadeiro oceano, um planeta independente, um cosmos variado e rico” ao qual por comodidade chamamos África, como se existisse apenas uma.
Kapuscinski foi considerado um dos mestres do jornalismo moderno, e eleito, em 1999, melhor jornalista polaco do século XX. Trabalhou com jornais e revistas internacionais como o The New York Times e o Frankfurter Allgemeine. Ganhou prémios literários em França, na Alemanha, Canadá, Itália e EUA, e em 2003 foi distinguido com o Prémio Príncipe das Astúrias de Comunicação e Humanidades. É o autor polaco mais traduzido e publicado no estrangeiro, e entre os seus livros mais conhecidos destacam-se “Mais um Dia de Vida – Angola 1975”, “Ébano – Febre Africana”, “O Imperador”, e “O Império”, todos publicados em Portugal pela editora Campo das Letras. Partiu a 23 de janeiro de 2007, com 74 anos, vítima de doença.