Os Anapurnas vistos de Poon Hill

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O trekking de Poon Hill, no Nepal, é um clássico. Começa nas proximidades de Pokhara, não tem uma altitude que cause grandes problemas e oferece belíssimas vistas sobre os Anapurnas.

O sagrado Machapuchare, interdito aos alpinistas

 Poon Hill, miradouro dos Anapurnas

Ao tomar o pequeno-almoço em Pokhara, é difícil imaginar onde estaremos horas depois, quando começar a nossa caminhada até Poon Hill. Em breve deixaremos o barulho do trânsito, o conforto dos quartos aquecidos e da comida internacional, da pizza às especialidades locais; Pokhara, tal como Katmandu, a capital do Nepal, há muito que se transformou num gigantesco campo-base onde se pode comprar todo o tipo de equipamento para trekking, fervilhante de lojas, agências e freelances que se oferecem como guias e carregadores – alguns sem nunca terem saído da cidade.

O mergulho na natureza só começa quando o minibus nos deixa em Nayapul, atravessamos a ponte e apresentamos a Autorização de Trekking (TIMS card) e o bilhete de entrada no Parque Nacional dos Anapurnas (Annapurna Conservation Area Permit). Pela nossa frente estão cinco fantásticos dias de esforço até atingir a altitude máxima de 3.210 metros em Poon Hill, um espantoso miradouro em 360 graus sobre a cordilheira dos Himalaias.

O trilho é feito de terra e pedra, muitos degraus, escadarias imensas que o transformam numa estrada para peregrinos, penosa e que se faz merecer, até alcançar a verdadeira Morada das Neves – a tradução livre da palavra Himalaias. Alguns picos, como o Machapuchare (Cauda de Peixe), cuja estranha forma justifica o nome e o seu caráter sagrado, parece criado por um deus brincalhão. Penachos de neve arrebatados dos picos pelo vento confundem-se com as nuvens brancas, que habitualmente chegam de tarde e escondem o cimo dos montes.

Começamos junto ao rio, por um estradão fácil que nos faz entrar numa região esparsamente habitada. Nesta zona, aldeias e arrozais estão instalados até cerca dos 2.000 metros de altitude, alternando com alguns bosques que escaparam à razia voraz dos fogões a lenha nepaleses. Os Himalaias não são sempre a sucessão de picos brancos e impressionantes que imaginamos; também são feitos de bambus e arrozais, de rios que rasgam gargantas de pedra em cascatas e se despenham dentro de bosques frondosos e escuros. Ao longo do trekking podemos apreciar toda esta progressão geográfica na paisagem: vales mimosos esculpidos em socalcos perfeitos para a plantação de arroz e milho-miúdo, quintais onde floresce o cardamomo e os rododendros, e lá no alto, as gigantescas pirâmides de rocha que ultrapassam os 8.000 metros.

Cá em baixo, encontramos os pequenos aglomerados de pedra das aldeias com nomes fascinantes e misteriosos – Tikedungha, Ghorepani, Gandruk -, gente de pouca estatura mas muita fibra, crianças curiosas e educadas, e o maravilhoso cheiro a fumo que sai das cozinhas e antecede refeições reconfortantes. A oferta de lugares para dormir e comer é muita, mas o trekker/peregrino não vem aqui procurar hotéis de luxo ou spas; a ocasional chuveirada de água quente ao final do dia é mais que suficiente para retemperar o corpo, e fazer-nos desejar que a manhã chegue depressa para seguir caminho.

Para chegar ao miradouro de Poon Hill a tempo do esplendor da aurora, é preciso sair ainda durante o frio da noite, apenas com a orientação do frontal, e seguir os outros pirilampos gigantes que já sobem monte acima. Não podemos contar com o lugar só para nós, já que este é um dos pontos mais procurados por quem quer ver muito, em pouco tempo – o mistério é imaginar para onde foi aquela gente toda, quando continuamos o caminho de novo sozinhos até Gandruk.

O espetáculo natural da luz a levantar-se sobre os montes, a cordilheira a mudar de um branco quase transparente para um laranja vivo, os montes mais próximos a saírem de uma linha azul escura para tomarem a cor da terra, as árvores a revelarem folhas e agulhas quando há minutos atrás eram manchas negras, o céu a passar do índigo ao verdadeiro azul-céu – toda a tensão entre o dia e a noite é aqui revelada em luz e cores. Para onde quer que se olhe, há sempre algo em mudança.

Depois vem a parte difícil: o momento de descer e seguir caminho. Decidir que não esperamos para ver a nuvem passar na frente do Anapurna Sul, ou o momento em que o Machapuchare, lá longe, sair completamente da sombra. Decidir que se o vento limpou as nuvens e sacode as bandeiras de oração sobre o caminho, isso é um sinal para continuarmos. Há muito mais para ver até regressarmos a Nayapul e ao conforto de Pokhara. Há mais aldeias e bosques com a luz coada por cortinas de ramos, troncos habitados por folhas que não lhe pertencem, aldeias de pedra equilibradas na ponta de escadarias.

E uma interminável descida através dos socalcos dos arrozais, com os picos cada vez mais brancos a espreitarem por trás de colinas cada vez mais verdes, cada vez mais longe, cada vez mais uma miragem. Mas inesquecíveis.

 

 


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Tino Janeiro 29, 2016 às 23:19

Mas que maravilha. Como gostava de ir espreitar esse miradouro!…
Obrigado, Ana, por este cheirinho de fotos e palavras maravilhosas. Bjo.

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Comedores de Paisagem Fevereiro 4, 2016 às 9:53

Nem assim uns 15 dias de viagem, Tino, com um cheirinho de Índia e outro de Nepal não? 🙂
Já merecias…

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