Annemarie Schwarzenbach, a fugitiva

Viagens com Livros

Annemarie Schwarzenbach prova-nos que a Suíça é mais do que uma paisagem de calendário, ou um país onde se fabrica chocolates, relógios e contas sigilosas. As suas obras mergulham profundamente na sua vida e viagens, de Portugal ao Afeganistão, do Congo à Pérsia. Uma suíça em fuga de si própria – ou à procura de si mesma.

O espírito nómada de Annemarie Schwarzenbach

Com uma reedição do seu livro “Das Gluckliche Tal” (O Vale Feliz), em 1987, Annemarie Schwarzenbach saiu de um esquecimento de quase cinquenta anos e retomou na literatura suíça o lugar que lhe pertence: ao lado de Ella Maillart, com quem viajou de automóvel até ao Afeganistão, em 1939. Viajou também pelo Médio Oriente e na Pérsia (Irão), Afeganistão, Estados Unidos da América, Península Ibérica, Itália, Rússia, Áustria, Marrocos, Alemanha e Congo, entre outros países, sempre acompanhada pela escrita e, muitas vezes, recolhendo imagens – as suas fotos dos Estados Unidos são impressionantes e as do Oriente, em muitos casos, parecem ter sido tiradas nos nossos dias.

Sair de casa e viajar é a única forma de independência que consegue por em prática. Nascida numa família conservadora e rica começa por, no início dos anos 30, viajar pela Suíça e escrever guias turísticos. Nessa altura já tinha concluído um doutoramento em história, e a sua amizade com os irmãos Klaus e Erika Mann, bem como com o seu pai, Thomas Mann – que lhe chamou “anjo devastado” – já tinha ajudado a consolidar o seu gosto pela escrita e a definir as suas ideias políticas antifascistas, o seu perfil independente em relação às regras sociais.

Um certo “espírito nómada” faz com que se adapte a qualquer ambiente sem contudo lançar raízes, viajando para escrever e para se encontrar. Entre 1933 e 1935 faz duas viagens ao Irão, onde acaba por se casar com o diplomata francês Claude Clarac. Profundamente desgostosa com o deslizar político progressivo da Alemanha para o nazismo, condena a corrupção da sociedade da época, despreza os seus confortos e acaba por partir para os Estados Unidos com a fotógrafa Barbara Hamilton-Wright, onde faz algumas reportagens sobre as difíceis condições de vida neste país. Depois segue-se a viagem terrestre até ao Afeganistão, que durará sete meses e dará origem a uma multitude de textos e contos. Regressa à Suíça e aos Estados Unidos, onde desperta uma paixão na escritora Carson McCullers.

Durante as semanas que passou em Portugal (Lisboa e arredores, em 1941 e 1942), nas suas idas e vindas entre a América e a África, foi correspondente de alguns jornais suíços, escrevendo artigos sobre Portugal numa altura em que a 2ª Grande Guerra destruía a Europa e o nosso país era um importante ponto de abastecimento de bens para a Suíça. Gostou de Lisboa, da luz, do Tejo. Fala da história de Portugal, “um país tão belo, que pisei com uma alegria transbordante”, gaba a manutenção do que já se perdeu em outros lugares, por causa da guerra. Quando a sua vida já avançava em roda livre, parece alcançar aqui alguma paz, durante algum tempo.

Mesmo sem o seu alcance na escrita, Annemarie seria, como foi, personagem trágica da sua própria vida: rica por nascimento, homossexual assumida e eterna morfinómana em cura, em luta com a família – e com a sociedade – por uma credibilidade pessoal que reivindica através da escrita, mas que se revela impossível pelo seu comportamento social: uma sucessão de escândalos, desde o seu internamento em clínicas de desintoxicação à saída compulsiva dos Estados Unidos, depois de uma tentativa de estrangulamento da sua companheira seguida de internamento num hospital de doenças mentais.

Aos trinta e quatro anos não resistiu a uma queda de bicicleta em Sils, localidade onde residia quando estava na Suíça. Deixou-nos páginas cheias de melancolia profunda escritas em vários lugares do planeta, numa “fuga rumo ao inacessível”. Morte na Pérsia, o seu último livro publicado em Portugal (edições Tinta da China), é disso um bom exemplo.


Pub


Quando viajo faço sempre um seguro de viagem pela Nomads


Deixe o seu comentário!