Grandes áreas de florestas tropicais fossilizadas aguardam os visitantes dos Monumentos Nacionais Bosques Petrificados, em plena Patagónia argentina. Uma bela visão de Apocalipse, que se repete em outros locais da América do Sul.
Árvores de Pedra
Na Argentina há pequenas Reservas Provinciais protegidas e uma área maior, considerada Monumento Nacional, que preservam florestas feitas de árvores de pedra.
Ninguém admite poder enganar-se na distinção entre uma árvore e uma pedra. O facto das árvores terem um ciclo de vida perfeitamente visível aos nossos olhos, e as pedras, aparentemente, nunca se alterarem por si próprias, dá-nos todas as certezas de que necessitamos: as árvores vivem, as pedras não. Mas as aparências enganam: fossilizadas, as árvores tornam-se pedra e convencem qualquer um de que ainda estão vivas, com aquele ar de quem vai deitar uns rebentinhos verdes na próxima primavera…
Os mais conhecidos bosques petrificados encontram-se nos Estados Unidos e na Argentina. Neste último país, o fenómeno existe em vários lugares, alguns deles separados centenas de quilómetros, mas a datação deste processo e as suas causas são as mesmas em todos os casos.
Tudo começou há cerca de 65 milhões de anos, durante o Terciário: a zona da Patagónia, coberta de luxuriantes florestas tropicais, abundantes lagos e cursos de água vai alterando progressivamente as suas características com o crescimento da cordilheira dos Andes. As montanhas foram impedido a humidade e as chuvas vindas do Pacífico de passar; as florestas foram secando e ficando cobertas com as cinzas dos inúmeros vulcões – alguns dos quais ainda hoje continuam em actividade.
Com o isolamento em relação ao meio oxigenado, os troncos desidratam rapidamente: sílica, cinzas e argila arrastadas pelas águas vão cobrindo as árvores caídas e, uma vez evaporada a água, a sílica cristaliza o tronco. Lentamente, dá-se um fenómeno de substituição molecular e a planta transita do mundo vegetal para o mineral sem, contudo, perder o seus aspecto de árvore, com anéis de crescimento e características próprias. Ainda hoje é possível identificar as árvores fossilizadas como araucárias; isto é, “pré-araucárias”, uma vez que atingiam a estatura de verdadeiros dinossauros vegetais, e precederam a árvore que conhecemos hoje com esse nome.
As Reservas da Patagónia argentina
Na Argentina, todas as Reservas Provinciais e também a área Monumento Nacional, que contém a maior concentração de espécimes conhecida até hoje, se enquadram nos limites da Patagónia, zona de estepe árida e clima de temperaturas moderadas por ventos frios e muito gelo durante o inverno. A população humana é bastante limitada pela pobreza dos solos e rudeza do clima, acrescidos de uma crónica falta de água. Mas a descoberta de petróleo num dos furos, feitos na tentativa de encontrar água potável, conseguiu fixar alguns milhares de pessoas na zona costeira de Comodoro Rivadavia.
A exploração de gado ovino e bovino ainda chama mais alguns milhares, mas as estancias – ganadarias – limitam-se aos poucos oásis que rodeiam alguns rios baixos e os animais continuam a precisar de duas ou três vezes mais área de pasto que os seus irmãos de outros pontos do país. Seca e desertificação são as palavras de ordem, e quando caem algumas gotas de água as pessoas congratulam-se, porque é normal passarem quatro e cinco meses sem chuva.
Colonia Sarmiento é um destes oásis de pastos verdes que se destacam numa paisagem desértica, povoada apenas pelas “cegonhas” de ferro dos poços de petróleo, num acenar lento de cabeça que lembra imediatamente o animal que lhes deu o nome. Por um momento, ao ver os choupos e árvores de fruta que rodeiam a vilória, acreditamos que a zona era mesmo húmida e tropical. Mas basta levantar um pouco os olhos e as montanhas de terra seca como areia, com as cores ocres e alaranjadas de um bolo demasiado cozido pelo sol, não deixam esquecer as características desérticas da zona.
Nos arredores da povoação podemos encontrar duas áreas protegidas que abrigam uma extensão razoável de árvores petrificadas. A apenas uns vinte quilómetros, a Reserva Ormachea – que tomou o nome do dono das terras – é uma zona de especial beleza paisagística, que se alcança por uma estrada de terra batida que atravessa os pastos e campos bem tratados de Sarmiento. Tem todas as características ideais para ser um excelente depósito de fósseis, com o seu solo argiloso e clima semiárido e é, de toda a Argentina, a de mais fácil acesso, ainda que pouco explorada turisticamente.
A estrada avança em direcção às montanhas esbranquiçadas do horizonte e o verde vai ficando para trás. Na entrada da Reserva, o Guardaparque inteira-se das intenções dos visitantes, cobra o bilhete e indica um dos caminhos que permitem aceder ao vale ou ao Cerro Colorado.
Na Floresta Petrificada
Não há nada que se pareça com árvores e muito menos com uma floresta, petrificada ou não, até onde a vista alcança. É preciso começar a descer até uma espécie de plataforma natural, de onde se vê todo o vale até à parede colorida das montanhas em frente – e numa visão de Apocalipse, avistamos centenas de troncos espalhados numa paisagem lunar e silenciosa, semienterrados na areia cinzenta.
A vegetação, ressequida e rala, contrasta com as cores quentes das montanhas. Não há nenhum som ou movimento que denuncie a existência de vida. O nome Vale da Lua não podia ser mais adequado: parece um pedaço de Lua na Terra, com um vale cavado entre os montes a anunciar que já ali correu água. O Cerro Colorado, de cores irreais, é realçado por montículos redondos cor de cinza e os seus tons vermelhos e amarelos revelam a presença de óxidos de ferro e magnésio, que também acabaram por colorir as árvores fossilizadas.
Algumas árvores deixam ver quinze metros de tronco; outras, partidas pela base, têm uma grossura tão grande que sem dúvida atingiriam os trinta ou mais metros de altura. A grande variação de temperaturas vai quebrando os velhos troncos, enquanto a erosão descobre cada vez mais. A areia dos montes vai escorregando, revelando árvores enormes, intactas, perfeitas. Em muitos locais o chão está juncado de lascas de madeira, estilhaços dourados de pedra partida pelo tempo, que faz lembrar o chão de uma carpintaria em plena actividade.
A maior parte tem a simples aparência de árvores caídas: a textura é a mesma, com fissuras e partes lascadas e os anéis de crescimento ainda são visíveis. Algumas estão furadas de um lado ao outro, como velhos troncos carcomidos de uma floresta qualquer. Realmente estranho é tocar-lhes, sentir uma rigidez típica de pedra, um calor excessivo que se concentrou e que nunca existiria numa árvore viva. Nesta paisagem é impossível imaginá-las de pé, com folhas verdes, a ramalharem. Aliás, é preciso ter uma tremenda imaginação para visualizar aqui uma zona de floresta tropical, húmida e exuberante – mas aqui estão estas magníficas coníferas douradas para o provarem.
Depois de algumas horas de deambulação entre espinheiros e troncos de pedra, descobre-se que, afinal, há vida no Vale da Lua: pássaros de espécies diferentes esvoaçam pelas raras sombras, debicando as favas vermelhas que pendem de alguns arbustos ressequidos – e até a lebre patagónica fez duas breves e fugitivas aparições, correndo desalmadamente montes acima! Apesar da progressiva desertificação que ameaça cerca de 35% do planeta – e decerto que esta zona está na lista desde o início dos tempos -, é encorajador verificar que há sempre uma margem de sobrevivência para as espécies que souberem adaptar-se…
Esgotados os carreiros do vale, que merecem mais de uma visita, o pequeno museu da entrada exibe alguns dos mais belos pedaços de árvore da zona, assim como uma colecção de rochas muito simplesmente poisadas sobre as prateleiras, sem qualquer tipo de identificação; é o mais parecido que há com encontrá-las no chão, ao natural, como um prolongamento do passeio no Vale da Lua. Depois de uma vista de olhos aos sacos dos que saem da área – não falta quem queira levar sub-repticiamente algumas dezenas de quilos de souvenirs – o carro do Guardaparque serpenteia de novo pela estrada em direcção ao verde, ali tão perto.
Algures entre o vegetal e o mineral, as florestas de pedra são uma espécie rara de amostra de passado e premonição do futuro; onde houve bosques hoje há deserto – uma metamorfose irreversível registada nos troncos dourados da Patagónia.