Já lá vai o tempo em que os vegetarianos tinham de ir a lugares específicos para adquirir os seus produtos “especiais”, e que o público em geral pensava que se alimentavam só de saladas. Hoje, muitos dos híper e supermercados já abrem as prateleiras a alimentos como tofu, seitan e soja sob várias formas, e já existe até comida pronta para remediar um jantar rápido, de hamburgueres a salsichas ou alheiras. Vamos começar o ano a Comer Paisagem e a ser mais amigo dos outros animais?
Vegetariano porquê?
Cada vez há mais vegetarianos; em Portugal parece que os números rondam os 20.000, entre ovolactovegetarianos e vegans). A verdade é que, por um lado, cada vez há mais consciência da exploração levada ao limite, e do sofrimento desnecessário que a moderna cadeia alimentar causa a todos os animais que não são considerados “queriduchos” ou “de ter em casa”; das suas curtas e miseráveis vidas fechados em lugares exíguos, dos transportes em condições horrendas e da tortura e matança que os espera porque na nossa cultura são considerados “comida”.
Por outro lado, a rápida mudança de vida durante o último século, fez com que muito do que era bom para os nossos avós, que caminhavam mais e trabalhavam de forma mais física do que os seus netos, não seja nada bom para nós. E a aproximação do mercado a esta nova necessidade tem sido clara, com a aparição de novos produtos e ofertas para os novos adeptos desta alimentação, à mão de semear. Já não é preciso ir à ervanária para a alimentação de todos os dias; basta, como ao resto da população, uma passagem pelos supermercados mais conhecidos. No Reino Unido reinventa-se o bacon (ao qual chamam Not Bacon), em Portugal a farinheira, o chouriço e a alheira.
Vantagens do vegetarianismo
Os benefícios de uma alimentação vegetariana são variadíssimos – para os humanos e para o planeta. Veja-se o crescente desequilíbrio ecológico na América do Sul e em África, por exemplo, onde a desflorestação acelera a olhos vistos para produção de carne de vaca e ovelha. Por outro lado, as torturas impostas aos animais consumidos como alimento são cada vez mais do conhecimento comum, embora muitos prefiram a técnica da avestruz, e enfiar a cabeça no buraco do “não sabia” para não alterar hábitos antigos.
A juntar às vantagens de uma alimentação totalmente vegetariana – ou vegan -, recusando tudo o que vem da exploração animal (os cadáveres dos ditos, mas também os laticínios, ovos e mel), qualquer pessoa que faz o esforço de mudar de alimentação presta mais atenção ao que põe no prato, o que significa uma maior atenção à saúde – mesmo quando o motivo principal da mudança não é a nossa própria saúde, mas a dos animais que sacrificamos.
A abertura do mercado à popularização desta nova vertente alimentar, a preocupação crescente dos sistemas de saúde com o aumento da obesidade e as grandes vantagens económicas de ser vegetariano têm feito aumentar o número de interessados nesta forma de estar na vida.
A nível de saúde, o abandono total do consumo de gordura de carne, só por si, é obviamente benéfico. Por outro lado, ao fazê-lo, aumentamos o interesse por aquilo a que chamávamos “acompanhamento”, e que passa a ser a estrela da refeição: os legumes. Claro que aumentar o seu consumo ou mesmo ser vegetariano não são garantias de comer de forma saudável; a forma de cozinhar é essencial para preservação das qualidades do produto (vitaminas, etc.) e também para controlar a ingestão de gorduras, sal e açúcar, os três grandes perigos que podem vir de uma confeção pouco saudável – mesmo que se trate de legumes frescos. Prefira legumes cozidos a vapor (que nem precisam de sal, tal é o sabor), salteados ou assados, dando preferência ao azeite e nunca à manteiga ou margarinas tradicionais. Fritos, só raramente.
De evitar também são os temperos excessivos com sal (substitua por especiarias e sementes sésamo), o uso de açúcar (nada de refrigerantes doces; nas bebidas como chá ou café, substitua-o por pequenas doses de frutose até se desabituar) e os fritos. O azeite é uma boa gordura, mas mesmo assim deve ser usado com parcimónia. E quem acha que este tipo de mudança é uma perda no paladar, uma mudança radical no sabor e no aspeto da sua alimentação, nunca foi devidamente enganado por um panadinho de porco ou uns rojões feitos de seitan, uma bolonhesa de soja, um arroz à valenciana com tofu, ou mesmo uma francesinha (com enchidos de soja) – para mencionar apenas alguns petiscos comuns em Portugal.
Vegetariano, com muito gosto
A boa nova é que hoje em dia qualquer vegetariano pode comer rancho, empadão, hamburgueres, feijoada – e encontrar um sabor muito parecido ou mesmo igual ao da refeição original. Como é possível? Tudo vai da mistura e do tempero: no rancho e na feijoada pode usar pedacinhos de seitan, salsicha e/ou chouriça de soja; o empadão será feito com soja granulada temperada e cozinhada como carne. No bacalhau à Brás, substitua o dito por pleurotos (um tipo de cogumelos) desfiados; no sushi, use tofu fumado, abacate ou fruta.
Ou seja: não é preciso desatar a comer saladas e sopas; na verdade, é só retirar alguns ingredientes e substituí-los por outros, mais saudáveis. Aos poucos encontra-se substitutos à altura para tudo, e ainda se faz descobertas adicionais, tais como o gosto excepcional das algas ou das alcachofras cozinhadas a vapor. Saboreamos tomates secos ao sol, cogumelos shiitake e muitos outros alimentos, que antes apareciam num cantinho do prato como decoração, sem serem devidamente apreciados. E, claro, encontramos o seitan e o tofu.
Tofu e Seitan: os nomes misteriosos
Originários da China e rapidamente popularizados no ocidente na segunda metade do século XX, o seitan e o tofu são normalmente utilizados pelos vegetarianos como substitutos da carne e do peixe. Mas o que são afinal?
Seitan: Cor de pão tostado e com uma textura parecida com a da carne, é feito de glúten de trigo. Para além de não ter colesterol, é rico em proteínas e também tem ferro e vitamina B.
Tofu: com a aparência de queijo, é, de facto, feito a partir de leite de soja coalhado. É rico em proteínas, ferro, magnésio, cálcio, e não tem colesterol.
Ambos devem ser cozinhados para incrementar o sabor (excepto a versão fumada do tofu, que pode ser consumida diretamente da embalagem), já que oseu paladar é muito pouco vincado; quem gosta de sabores fortes vai apostar mais nas especiarias.
Hoje em dia encontra-se com facilidade seitan e tofu em híper e supermercados, assim como outros derivados de soja, como salsichas ou chouriça. Um pormenor: se não quiser comer um inseto felpudo conhecido por cochonilha, geralmente usado para dar a cor carmim aos alimentos, deve verificar se o seu nome consta dos ingredientes de alguma comida “vegetariana”, nomeadamente das salsichas; por vezes aparece também camuflado sob o nome E-120.
Os híper e supermercados também já têm também alguma comida pronta, na secção de dietética e também nos congelados, e as livrarias também vão apresentando cada vez mais livros de gastronomia dedicada aos vegetarianos. De qualquer modo, é sempre possível adaptar o nosso prato favorito, basta um pouco de imaginação – ou consultar a nossa secção de Receitas do mundo, que está sempre a crescer!
Sabia que cada Comedor de Paisagem poupa a vida a cerca de uma centena de animais por ano? Não é uma boa maneira de começar 2013?
Adaptado de texto publicado no magazine Fugas, do jornal Público
Esclarecedor artigo e com uma base de pesquisa muito útil. Particularmente, gosto de não associar a alimentação vegetariana ao tofu, seitan nem soja. São mais ligados a uma dieta macrobiótica do que vegetariana. Esses alimentos são conceitos modernos de vegetarianismo, são intragáveis para muitos que nao sabem preparar e nem sequer são tão necessários como se pensa para quem quer se tornar vegetariano (já sou vegetariana há 5 anos e nunca tive de recorrer a eles).
A Índia é o único país no mundo considerado vegetariano (onde as pessoas são, por uma questão cultural, vegetarianas e se existe a utilização da carne é para os turistas que a recorrem) e não utiliza esse conceito moderno macrobiótico na sua alimentação. Seguindo o excelente exemplo dos indianos parece-me mais natural não usar alimentos altamente processados a imitar a carne. Porquê a necessidade de lhe igualar o sabor quando se pode tirar excelentes sabores confeccionando vegetais, leguminosas, arroz, batatas (fritas ou assadas), frutas, sei lá mais…? Era ideal libertar a ideia de que a proteína está nesses alimentos substitutos da carne…Parece certo? 🙂
Sim, muito certo, Susana. Mas há quem não queira deixar para trás sabores ou texturas de alimentos que comia antes, e hoje isso é possível. Eu nem sequer aprecio comida que saiba a carne, mas gosto muito do cheiro e paladar do fumado, por exemplo… enfim, desde que não se faça mal a ninguém, por mim está tudo certo! 🙂
Quanto ao facto da Índia ser um país “vegetariano”, aí, com muita pena minha – até porque também pensava assim antes de lá ir – não posso concordar. É muito mais fácil comer em restaurantes lá do que cá, mas está longe de ser um país 100% vegetariano. Por exemplo, não há chá sem leite, a maior parte dos doces leva manteiga, e os ovos são regularmente consumidos,,,