O Circuito dos Anapurnas é um magnífico trekking de 230 kms pelos Himalaias nepaleses. Um percurso que pode, ou não, ser feito a pé na totalidade. Mas entre Manang e o passo mais alto, apenas o antigo trilho permite a passagem para o vale do Mustang.
O Circuito dos Anapurnas, de Manang ao Thorong La
O Circuito dos Anapurnas é um dos mais populares trekkings do Nepal. Pode ser feito todo o ano, desde que a neve não bloqueie o passo de Thorong, a 5416 metros de altitude. Felizmente para as populações locais, uma cooperação entre o governo nepalês e o da China está a construir um estradão de terra que em breve ligará todas as aldeias do vale; neste momento já há jipes a levar passageiros até Chame, e daí é possível chegar a Manang de motorizada. Infelizmente para os visitantes, a estrada está a ser construída em cima do antigo trilho que unia as aldeias. Um trilho que há décadas atrai milhares de turistas por ano em busca de um trekking nos longo e sem dificuldades de maior, para além dos riscos da altitude. Neste momento, a maior parte do caminho já é feito pelo estradão onde passam motorizadas e jipes, que deixam para trás muito ruído, pó e poluição…
Mas não depois de Manang. A povoação dá nome ao vale e tem tudo para ser um bom lugar de descanso e aclimatação à altitude, que aqui ultrapassa os 3.500 metros: hotéis e restaurantes, médico durante a estação alta de trekking (outubro e novembro) e muitas atrações para explorar nos arredores, que nos permitem descobrir alguns dos mais belos locais desta zona dos Himalaias. Como a subida até Chongar, para uma vista desimpedida sobre o lago glaciário Gungapurna, uma mancha turquesa incrustada na terra pálida e poeirenta. Lá do alto, a vista resume o percurso: para trás estão montanhas de um verde aprazível, alternando florestas, prados e picos distantes com neve; para a frente fica um cenário de montes áridos e pedregosos, onde sobrevivem apenas arbustos ásperos.
À parte alguns hotéis mais modernos, as casas tradicionais de Manang são baixas e feitas de pedra, inserindo-se perfeitamente na paisagem desértica. O único toque de cor vem das bandeiras budistas nos telhados. A apenas meia hora de distância fica também a pitoresca aldeia de Bragha, com o seu mosteiro antigo empoleirado em penhascos.
Continuando em direção a Yak Kharka, a paisagem fica cada vez mais perfeita: os bosques desaparecem, os últimos já polvilhados com neve; as rochas despontam do chão, esculpidas pelo vento e pelo gelo; as encostas levantam-se cada vez mais a pique, apertando o vale, e os picos com neve aproximam-se. À parte uma manada de iaques de cabelos ao vento, cuja timidez se sobrepõe ao aspeto ameaçador, nada mais parece conseguir viver nesta paisagem. Passei por manadas de antílopes, muitas aves de rapina, mamíferos felpudos que vinham espreitar dos arbustos e também um grupo de mulheres, que cantava enquanto colhia zimbro para vender junto aos templos budistas; agora sou só eu e os montes, as pontes suspensas sobre riachos enregelados, os picos brancos que se escondem e reaparecem.
Em Thorong Phedi nevou toda a noite e toda a manhã, pondo em risco a possibilidade de atravessar o passo de Thorong no dia seguinte. O sol transformava a neve numa chuva de diamantes que desapareciam antes de tocar no chão, mas num par de horas acumulou-se e endureceu, transformando-se numa perigosa placa de gelo, por vezes transparente e completamente invisível. Nas duas últimas guest houses antes do Thorong La, a água congela no cantil, mesmo dentro do quarto, a comida fica fria antes de chegar à mesa. No High Camp, um funcionário com um gorro que imita uma cabeça de alce diz-me que a placa de gelo que cobre o chão da cozinha só costuma derreter lá para março…
Num círculo estreito à volta de uma salamandra que não aquece, separados do exterior por um telhado de chapa ondulada e janelas com vidros finos onde a neve se agarra, os cinco caminhantes que pernoitaram sorriem, quando um deles chega de fora com um termómetro e anuncia: ”26 graus negativos, pessoal!”. Este é o dia mais longo: seis horas de caminho, 600 metros de desnível para subir e 1600 para descer até Muktinath. Pelo caminho espera-se neve, gelo, ventos fortes e cortantes…
De manhã enfio as botas congeladas, que dão um estalido ao descolarem uma da outra. A altitude tira-me o apetite, mas não posso comecar a caminhada sem tentar comer uma sopa de massa e encher os bolsos de frutos secos.
Gostei mesmo muito do texto! Um dia espero ser eu neste circuito 🙂
Obrigada, Mónica! Também espero que um dia possa fazer este trekking!