Iguaçu: na selva de Água Grande

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Um dos maiores espetáculos da natureza divide-se entre o Brasil e a Argentina: as cataratas de Água GrandeIguaçu ou Iguazu, em língua tupi-guarani. Envolvidas pela selva do Paraná, são uma grandiosa demonstração do poder da água, num cenário que muda com as estações do ano e as horas do dia.

Borboleta no Parque Nacional Iguazu

No Parque Nacional de Iguaçu / Iguazu

A distância entre as cidades mais próximas e o Parque Nacional de Iguaçu, no Brasil, e Iguazu, na Argentina, não ultrapassa os 30 km em nenhum dos países. De ambos os lados, a paisagem dá sinais de que a indústria hoteleira tem tirado lugar à selva, e substituído o seu emaranhado frondoso por relvados de jardins domésticos. Do lado argentino, um cartaz pergunta “Quer salvar 40 animais por mês? Respeite os limites de velocidade”. De vez em quando, um estradão de terra desaparece numa curva frondosa com promessas de visões frescas, tetos verdes e rios subterrâneos. A selva afasta-se e aproxima-se ao ritmo das quintas e plantações de erva-mate, tão apreciada nesta zona do hemisfério sul, e pastagens com cavalos e vacas. Os rios e as colinas têm a cor avermelhada da ferrugem, o clima é pesado e húmido a qualquer hora do dia. Chuvadas fortes caem sem aviso e o ar tem aquele cheiro a mofo, tão próprio dos trópicos, que parece sair da terra.

Na Argentina, Puerto Iguazu é a cidade mais próxima do Parque Nacional; no Brasil é Foz do Iguaçu. Nenhuma tem atrativos próprios; são ambas desagradavelmente quentes e vivem do apoio logístico que oferecem a quem vem passar geralmente apenas uma noite, na visita às cataratas. De ambos os lados é preferível optar por uma estalagem familiar (no Brasil nem são mais caras), fora das cidades e suficientemente próximas da estrada onde passam os transportes para o Parque.

A verdade é que, apesar de geralmente se localizar as Cataratas de Iguaçu no Brasil, apenas um terço da área lhe pertence. O que o Brasil tem, é o melhor centro de acolhimento e a melhor vista sobre a extensão de quedas de água que se sucedem do lado argentino. É mesmo possível chegar muito perto delas, através de um engenhoso e bem elaborado sistema de pontes, passadiços, e até um elevador panorâmico. Infelizmente, talvez por a área ser muito mais pequena, a exploração turística está nos limites do suportável: há apenas um caminho a percorrer após comprar o bilhete de entrada, a menos que se queira pagar um dos pacotes que incluem viagem de barco e passeio na selva com guia – em grupo, claro. Por mim, custa-me conceber a visita de uma área onde o interesse é a natureza, em grupos ruidosos, todos juntos no mesmo local, sem tempo para estar a sós com os nossos pensamentos, as imagens belíssimas da selva, da água e dos pássaros coloridos que nos vêm espreitar.

Do lado argentino isso é possível, justamente por a área ser muito maior. Aí, há uma rede de trilhos acessíveis num pequeno comboio a gás (o Tren Ecologico) que nos deixa em pontos-chave para percorrer o Caminho Superior ou o Inferior, com passadiços de madeira que quase tocam na água e nos permitem mergulhar neste espantoso cenário aquático, um dos últimos redutos da floresta húmida subtropical. E podemos fazê-lo em solitário. Ou seja: do Brasil vê-se o cenário por inteiro – na Argentina estamos dentro dele. Convém, portanto, visitar os dois lados deste espantoso Parque Nacional.

Iguaçu ou vingança dos deuses?

O estrondo da catarata da Garganta do Diabo ouve-se de muito longe, e a nuvem de gotículas sobre a água atinge por vezes os trinta metros de altura. Um cartaz anuncia que o descobridor europeu das cataratas foi Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, em 1541, mas os guaranis já por aqui viviam há muito, e deram-lhe o nome que se mantém até hoje: I (água) Guazu (grande). A lenda conta que um jovem desafiou os deuses da floresta, raptando uma jovem e fugindo rio abaixo com ela. Furiosas, as divindades fizeram o rio cair na sua frente e transformaram a jovem numa das pedras lá no fundo – e o amante numa palmeira, à beira do abismo.

A explicação científica pode não ser tão romântica, mas é bastante mais aceitável: há cerca de 200 milhões de anos, o afastamento entre a Europa e a América do Sul iniciou uma série de mudanças geológicas, com erupções no solo que foram provocando a sobreposição de lavas vulcânicas. Os derrames basálticos foram formando a escarpa que, por sua vez, foi sendo dividida em patamares de acordo com a resistência das rochas à água.

Mas realmente impressionante é a vastidão do fenómeno: cada uma das duzentas e setenta e cinco das cataratas tem entre trinta e sessenta metros de altura, e o conjunto ocupa cerca de três quilómetros. A Garganta do Diabo, dividida entre o Brasil e a Argentina, é a de maior débito por minuto, tem vinte metros de largura e quarenta de profundidade. Como se não bastasse, o tumulto das águas criou um meio tropical húmido que atrai um número espantoso de aves, borboletas e mamíferos, dando condições especiais ao desenvolvimento de muitas espécies. A temperatura e humidade constantes também favorecem o seu crescimento exuberante: no inverno austral, de junho a agosto, as temperaturas médias rondam os 15 graus, e durante o verão, de novembro a janeiro, sobem aos 25. Quanto à humidade, ronda os 75 a 90 % durante todo o ano, transformando a selva do Paraná numa verdadeira estufa, que abriga mais de duas mil espécies de plantas, quatrocentas de aves e uma imensidão de mamíferos, como o coati, a lontra e a onça-pintada.

Um coati sem medo…

Borboletas, coatis, tucanos e colibris

Cada recanto é um mundo a descobrir, quer se mergulhe na vegetação, percorrendo os caminhos traçados na parte de cima da falésia, ou acompanhando a linha da água até ao pequeno embarcadoiro de onde saem os barcos em direção às quedas de água. Regressam cheios de turistas, encharcados mas felizes, nos seus plásticos de cores vivas. Alguns chegam da pequena ilha de San Martin, miradouro natural onde umas escadas de pedra nos fazem destilar litros de suor até um calhau mais alto, com uma vista absolutamente soberba.

Por todo o lado aparecem borboletas de cores ousadas, que pousam em qualquer lado sem medo, às vezes até na cabeça e nos braços dos visitantes que, conquistados, se imobilizam com um sorriso feliz para não perturbarem o bailado. O bater das asas revela verdes, vermelhos e azuis berrantes com contrastes negros, ou espetaculares double-face, como se tivessem colado duas borboletas numa só. Os coatis saem das sombras farejando o chão, mas os guardas do Parque avisam sobre a tentação de lhes oferecer as sobras do farnel: os bichos chegam a adoecer por causa destas “iguarias”.

Nas escadas e carreiros que descem ao sopé das quedas de água, a fauna continua a surpreender: além das borboletas e dos coatis, tucanos, papagaios, colibris e muitas outras aves de cores garridas animam as árvores com uma profusão cores, de gritos e piares que nos descolam os olhos das cataratas. O rugido da água, esse está sempre presente, às vezes mais escondido numa curva arborizada que abafa o eco, outras vezes tão forte que não deixa ouvir mais nada. A variedade de quedas é infinita: fininhas, gotejantes, torrenciais, fortes e estreitas, gotejantes. Os arco-íris competem em tamanho e cor, e as nuvens de chuviscos refrescantes aliviam o calor intenso. Ao longo dos caminhos, constantemente conquistados à selva, também é frequente encontrar macacos. E em alguns locais, como nas margens do caminho para a Garganta do Diabo, os jacarés levantam os olhos calmos da água, mirando o passadiço de madeira.

As plantas cobrem completamente um solo indecifrável (terra? pedras? água?) e o espaço entre as árvores altas, com um emaranhado de lianas, raízes voadoras e caules finos de bambu. Os nomes soam a tupi-guarani – pindó, petiribí, pacará, ibapoí – e são realmente estranhas para quem vem da Europa. Há flores de cores berrantes, quase fluorescentes, que nascem entre as pedras escuras de basalto que nem a água consegue amaciar. O correr rápido da água pelos penhascos é hipnótico; podemos ficar longos minutos, horas, a vê-la passar, as gotículas que envernizam as folhas, os pequenos pássaros que constantemente furam a cortina da torrente para chegar aos rochedos por trás. É um admirável mundo verde onde a água é o elemento mais forte, o único com poder para mudar a paisagem, dia após dia, numa lição de beleza líquida e perseverança que se mantem há milénios.


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Anabela Tomás Outubro 5, 2012 às 0:23

Um texto de aguçar o apetite para visitar o Brasil (uma pequeníssima parte deste país). É que ainda nada me despertou para fazer a viagem…

Beijos em cataratas!
Anabela

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ana Outubro 9, 2012 às 14:51

Olha que o Brasil é muito mais do que praias. E se fores a Iguaçu, um conselho: vê os dois lados das cataratas. É sempre bom ver os dois lados das coisas…

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