Na obra Being Indian, Pavan K. Varma dá uma volta aos estereótipos sobre a Índia criados pelos estrangeiros, mas também aos mitos que os indianos gostam de contar sobre si próprios. Um belo livro para conhecer um pouco melhor este país por dentro.
Uma visão desapaixonada da Índia
Logo na introdução somos avisados: a Índia não é um país fácil de definir. Para os visitantes, a tentação é sempre reduzir para compreender. Mas se isso não resulta num país do tamanho de Portugal – compare-se um sénior a viver numa aldeia da Beira interior e um jovem numa cidade como Lisboa, para introduzir as diferenças mais extremas -, imagine-se tentar esquematizar um país com mais de um bilião de habitantes, vinte e duas línguas oficiais e sete religiões principais, com climas e graus de isolamento que abrangem aldeias dos Himalaias, metrópoles costeiras como Mumbai, e povoações turísticas e tropicais como Hampi. Um puzzle cultural que parece impossível de construir. E no entanto, a Índia move-se e é um dos países que quer liderar neste século XXI.
Uma coisa é certa: este é um país de extremos, e no que toca aos estrangeiros, a tendência é ficar ou fugir a sete pés; perder o passaporte para sempre, ou refugiar-se no aeroporto mais próximo. A bela imagem de um país de encantadores de cobras de turbante colorido, elefantes, tigres, ioguis místicos e mulheres de sari reluzente e sininhos nos tornozelos, depressa esmorece no caos ruidoso das cidades, com os montes de lixo malcheiroso, as escarradelas constantes e os ratos que passeiam à noite pelas ruas. O sórdido pode apossar-se do belo e cegar-nos para a última verdade: a verdadeira existência da Índia situa-se entre esses dois extremos.
Os indianos gostam de vender a imagem em que acreditam – e que os estrangeiros facilmente aceitam: que são a maior democracia do mundo, já que eleições e parlamento funcionam desde a independência, em 1947 (mas a corrupção é endémica); que são essencialmente espirituais e tolerantes por natureza, já que aqui nasceram e florescem várias das religiões do mundo (mas a violência entre hindus e muçulmanos estala com facilidade); que têm um temperamento pacífico, na linha de Gandhi, o grande pacifista que venceu os ingleses apoiando-se no ideal de não-violência (mas todos os anos há centenas de mulheres que são violadas e mortas); que o seu pensamento é desligado do mundo material, uma vez que a sua religião considera o mundo efémero e “irreal” (mas estabelece como objetivo principal da vida o bem-estar material); que o país é muito diversificado, e por isso estão predispostos a serem ecléticos (mas o sistema de castas continua vivo).
Como os mitos têm sempre uma semente de verdade, pode ser mais ou menos difícil desmontar uma imagem – mas é importante reconhecer pelo menos as distorções que se introduzem na história. Varma desmonta de forma inteligente o “mito indiano”, sem vergonhas nem subterfúgios, e mostra-nos um povo e uma cultura que continua pujante, com os seus defeitos e qualidades.
Being Indian é uma excelente e desempoeirada reflexão sobre o país a que Churchill chamou “uma expressão geográfica” e veio reforçar uma ideia pessoal sobre os dois maiores pilares da “indianidade”: a resiliência e o equilíbrio. A ler sem falta, por quem se interessa pela Índia – incluindo indianos.
O Autor
Pavan K. Varma nasceu na Índia e seguiu uma carreira diplomática até 2012, altura em que se tornou Conselheiro Cultural do Governo no estado do Bihar. É autor – e também tradutor – de várias obras de ficção e não-ficção. Em português, Being Indian foi publicado pela Presença com o nome A Índia no século XXI.