O Monte Rakaposhi tem um coração de gelo

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O norte do Paquistão é uma zona extremamente montanhosa, onde terminam os Himalaias e começam as montanhas do Karakorum e do Hindu Kush. Um curto trekking de três dias leva-nos até ao campo-base do  monte Rakaposhi através de uma zona inóspita e agreste, onde a sobrevivência da esparsa população depende da agricultura e alguns rebanhos de ovelhas, cabras e iaques.

Karakorum: Trekking no monte Rakaposhi

O trekking de aproximação ao monte Rakaposhi, na cordilheira do Karakorum, começa na aldeia de Minapin e segue um dos trilhos da transumância de verão, época em que aldeias inteiras, rebanhos incluídos, se mudam para pequenas cabanas de pedra centenas de metros monte acima.

Esta é uma prática habitual em todo o no norte do Paquistão, mas fora de época os prados prados de altitude de Bungidas e Hapakun ainda estão vazios, e os encontros com gente são raros e sem língua comum, até porque só as crianças demonstram alguma curiosidade em relação aos estrangeiros.

Primeiro contorna-se a aldeia de Minapin, um conjunto desordenado de casas dispersas, e continua-se ao longo do canal da água. Passada a ponte, o caminho desata a subir até ao aldeamento de verão de Bungidas. Longo e íngreme, depressa se eleva sobre o vale, transformando a aldeia numa espécie de oásis verde, no sopé da majestosa e árida cordilheira do Karakorum. Felizmente está sol. Pudemos ver o esplendor branco do Rakaposhi lá de baixo, da aldeia, bem recortado num céu azul escuro. Começando a subir a imagem desaparece, e só volta a aparecer no dia seguinte.

Algumas crianças da aldeia aproveitaram para vir buscar lenha à encosta e agora descem o caminho a correr, arrastando pelo chão alguns troncos amarrados por cordas. Caminhamos com um guia local, mas os carregadores não têm pressa e só aparecem com a nossa carga lá para as três da tarde, estando nós já em descanso junto ao ribeiro de Hapakun. São dois irmãos, e nenhum deles entende uma palavra de inglês – limitam-se a sorrir e a manter distância. Um deles preferiu trazer o burrico, o outro carrega com uma mochila e uma espingarda antíquíssima. Cozinham protegidos do vento gélido por um muro meio desfeito, sob o olhar de um iaque ruivo que pasta ali próximo.

Um passeio pelo glaciar

Enquanto esperamos pela sopa, subimos a parte mais próxima da moreia para termos uma vista aproximada do glaciar de Minapin, um impressionante corredor de picos de gelo, que desce como um rio desde o sopé do Rakaposhi e do Diran. Mas só no dia seguinte, depois de trepar pelo vale estreito que leva a Tagafari, o campo-base do Rakaposhi, é que pudemos ver este panorama esplêndido: um largo anfiteatro natural formado pelo glaciar e cercado pelas montanhas, de onde um mar de gelo parece jorrar, imóvel e em silêncio, em todas as direcções. Em vez de picos aguçados, as suas formas lembram agora um mar calmo, de ondas suaves.

É sobre esta água dura que pretendemos caminhar, mas antes temos que passar a dura prova de acesso ao valezinho de Tagafari. Como somos os primeiros caminhantes do ano, o trilho não está aberto. O guia faz um truque de magia: com o bastão, traça um risco na terra seca da encosta, que desce a pique até ao glaciar. Vai empurrando o bastão na sua frente e colocando os pés um à frente do outro, até atingir uma rocha, onde nos espera. Depois, é a nossa vez de seguir as suas pegadas, olhando em frente, para fugir à atracção do abismo…

Finalmente, carga poisada na cabana de pedra de Tagafari, onde “herdámos” um candeeiro a petróleo, um rolo da massa – para o pão – e umas panelas enegrecidas, espólio comunitário de quem por ali passa, procurámos então um caminho para o glaciar. A neve encobria perigosamente as crevasses  que se abrem no gelo. Seguindo o guia, contornámos durante horas as rochas calcinadas que se erguem no meio daquela imensidão branca, evitando zonas de um azul frágil, deambulando por aquele deserto gélido que um sol intenso tornava ofuscante. Riachos azuis, por vezes torrentes de água, atravessavam-se no nosso caminho, obrigando a desvios, recuos, cuidados suplementares.

Já bem no meio do vale, com a paisagem completamente transformada, encoberta pelas “dunas” brancas do glaciar, descansamos sobre um rochedo, com a nítida impressão de estarmos noutro planeta, puro e silencioso: pássaros, árvores, gente, não são coisas dali. Só com o pôr-do-sol, que se anunciou nublado e feio, tivemos coragem de regressar à nossa cabana, patanhando até aos tornozelos na neve que, entretanto, já tinha derretido. Lá dentro, só ficámos confortáveis quando as temperaturas desceram abaixo de zero – as gotas geladas que atravessavam o telhado congelaram, e deixaram de cair em cima de nós…

O dia seguinte foi cinzento, com rabanadas de vento que arrastavam flocos de neve. Para não descer pelo mesmo caminho, trepámos ao monte que se ergue por trás da cabana, e que oferece uma visão extraordinário sobre o glaciar e as montanhas. Como sempre, salientam-se na cordilheira os 7.788 metros do Rakaposhi, e o cone perfeito do Diran, com menos 600 metros. O excesso de neve tornou a dificultar-nos a deslocação; enterrados, por vezes, até à cintura, procurávamos e perdíamos continuamente o trilho, até atingirmos terra firme. Depois, guiámo-nos pelo zurrar dos burros e o som das vozes que se erguiam de Bungidas, onde chegámos já com a tarde avançada. Ainda tão perto, mas já tão longe do lugar gélido e extraordinário onde tínhamos estado, descemos com enfado o caminho seco e poeirento que nos trouxe de volta a Minapin, e ao calor do vale.


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