Alguns dias entre a Beira e a Gorongosa, na região central de Moçambique, confirmaram as minhas melhores suspeitas: que os moçambicanos são de uma afabilidade imensa e que a vida selvagem está em rápida recuperação. Para além disso, algumas ruas da Beira são uma verdadeira viagem ao passado…
Moçambique, de Maputo à Gorongosa
Moçambique não foi uma completa surpresa. Logo em Maputo, a primeira impressão foi a de familiaridade. Não me senti uma estranha, e não foi apenas pela visão de rissóis, pastéis de nata e café Delta em pastelarias do centro; também contaram a língua e o trato, o aspeto ”normal” das ruas principais, que combinam prédios de diversas épocas e bairros de vivendas ao estilo colonial.
Mas as metrópoles – sobretudo as capitais – nunca servem de medida ou termómetro de um país; o melhor é sentir o pulso de terras mais provincianas ou, pelo menos, mais afastadas da capital.
Não podia ter escolhido uma mais afastada, e por vontade própria: a cidade da Beira mantém uma posição de rebeldia e intelectualidade em relação a Maputo, onde estão a política e o dinheiro. Não que isso seja patente no dia-a-dia nas ruas, mas é nas palavras que se dizem ao ouvido neutro: o estrangeiro. Eu, estrangeira mas bem-vinda.
Sorrisos, aconchego, um modo doce de usar a língua que substitui o “não” por um suave “não vale a pena”, ou o elimina por completo:
– Já comeu?
– Ainda.
As ruas continuaram a espantar-me pela familiaridade: casas como as da minha infância em Portugal, ruas e bairros inteiros como já é difícil encontrar aqui; as mesmas vivendas dos anos 60 e 70, os prédios de linhas retas, a estação de caminhos de ferro… nada é estranho e nada nos prepara para a diferença dos mercados extensos onde se vende de tudo, de ferragens e lâmpadas a “calamidades” – nome dado aos donativos vindos do exterior, sobretudo roupa e calçado, que é comprado em fardos pelos vendedores e negociado ao melhor preço. Só aí comecei a sentir-me verdadeiramente em África, nas barraquinhas que vendiam roupa e sapatos usados, cortes para capulanas e vestidos, maravilhosos concentrados de cor.
As praias da cidade são apetecíveis, com alguns cafezinhos de apoio que fornecem snacks e umas cervejas Laurentina bem fresquinhas, com pouca espuma, a condizer com um mar sossegado ao por do sol.
Junto ao mercado apanha-se o transporte público – o chapa – para Inchope, e daí outro para a Vila de Gorongosa.
– O chapa está a demorar…
– Há-de chegar…
No Parque Nacional da Gorongosa, o safari não mostrou os Big Five, coisa garantida no país do lado, a África do Sul. Mas tivemos direito, entre outros, a avistar várias manadas de antílopes elegantes, um grande grupo de babuínos desdenhosos, uma vara de facocheros (javalis africanos) negros e fugidios, muitos pássaros pernaltas.
A paisagem da Gorongosa é unanimemente considerada mais bonita, frondosa e verde do que a do vizinho Parque Kruger – ou não estivéssemos numa serra onde abunda a água, longe das imagens mais comuns da savana africana, seca e de árvores espinhosas. Muito bem organizado, o Parque Nacional que protege a zona está a ter um grande sucesso na recuperação da fauna, que sofreu tanto como os humanos durante a penosa e sangrenta guerra civil. Leões, elefantes e zebras vão sendo cada vez mais visíveis – mas na verdade, só a beleza da paisagem é motivo suficiente para uma visita.
As opiniões também são unânimes em relação ao povo: os moçambicanos são maningue nice (muito fixes, mantendo o nível de língua) e muito acolhedores em relação aos estrangeiros. Um pouco tímidos, talvez. A verdade é que estava pouco disposta a arcar com ressabiamentos a posteriori, devidos a curvas da história nas quais não fui tida nem achada, e com as quais discordo profundamente. Mas provavelmente é sempre nisso que se pensa quando se viaja num país que foi colonizado pelo nosso durante séculos. Eu pensei, e só perdi tempo: os moçambicanos estão no futuro, não estão no passado. E Moçambique também: na Beira e no paraíso reencontrado da Gorongosa, o futuro parece maningue melhor todos os dias.
Se tivesse dinheiro, era onde gostava de ir passar um mês. Adorava
Emília, o que custa dinheiro é mesmo o bilhete de avião. Depois basta sair de Maputo para ter preços razoáveis…