O Clube dos Poetas Vivos fica em Xiraz

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No Irão ainda há pessoas para quem a poesia está viva; em Xiraz, cidade elegante e uma das mais importantes do país, podem ser encontradas junto ao túmulo do poeta Hafez.

Poetas em extinção

O poeta é, provavelmente, a espécie em maior risco de extinção no planeta. Nem orangotangos nem golfinhos de água doce são estimados em tão pequeno número, numa época em que a economia é o única escala reconhecida pelos estados, o dinheiro o único valor com que se medem os cidadãos. Se o habitat continua a degradar-se desta maneira, é mais que certo que em meio século poderemos contar os poetas conhecidos pelos dedos das mãos, e das suas obras vão sobrar um livros velhos que já ninguém abre. Voltar-nos-emos, então, para os países em vias de desenvolvimento, aqueles que, por razões políticas e/ou religiosas praticam a clausura em relação às sociedades internacionais, recusam a pressão económico cultural mundial, e por isso ainda mantêm alguns destes seres bem vivos no imaginário colectivo nacional, nem que seja como refúgio para as agruras da vida. O Irão, por exemplo.

O guia dizia que a cidade de Xiraz tinha sido capital no século XVIII e uma das mais importantes cidades do mundo islâmico medieval. Para além do extenso rol de mesquitas monumentais, coisa normal por todo o país, os locais assinalados para visitar incluíam também alguns túmulos de poetas: Kharju-yé-Kermani, Sa’di, contemporâneos do século XIII, e Hafez, do século XIV. O túmulo deste último, de seu verdadeiro nome Khajé Shams ud-Din Mohammad – Hafez significa “o que recita o Corão de cor” –, situa-se na avenida Goulestan, local fácil de encontrar, no centro de um jardim bem arborizado com uma pequena casa-de-chá. Atraída pela perspectiva de obter alguma frescura ao ar livre num dia quente, optei por este último.

Uma escadaria leva ao jardim e a um quiosque onde os estrangeiros pagam um bilhete de entrada. Do outro lado abrem-se canteiros bem tratados cheios de rosas, ciprestes, laranjeiras. O túmulo de mármore branco está sozinho no meio do jardim, numa pequena pérgula nua, coberto com versos do poeta gravados em relevo e protegido do sol por uma cúpula, sustentada por um círculo de colunas. Com discrição e quase em silêncio, as pessoas aproximam-se e ficam ali, olhando o túmulo. Alguns levam flores: uma rosa vermelha, um cacho de jasmim perfumado. Outros recitam baixinho, movendo os lábios, a mão apoiada sobre as inscrições no mármore branco. Não se precipitam para as sombras, para a casa-de-chá onde se fuma ghalian (narguilé) e se come doces a acompanhar os copos de chá fumegante; o poeta que cantou com melancolia a doçura da vida, o vinho e o amor, atrai-os sobre todas as outras coisas.

Uma mulher de tchador negro abre o seu livro e lê uma poesia devagar, movendo os lábios com um ar sonhador. A atmosfera é íntima, mas é, sobretudo, muito rara, próxima do misticismo. Dois soldados aproximam-se e ficam ali, olhando o túmulo, trocando algumas palavras em murmúrios. Só o ir e vir de gente impede a mística de se instalar de vez; ficam uns minutos e partem, muitos directamente para fora dali, outros para o jardim.

Diz-se que se houver dois livros numa casa iraniana, um será o Corão, e o segundo o Diwan (obra) de Hafez. Mas não se espera que o túmulo de um poeta seja um local de peregrinação onde constantemente chegam casais jovens, mulheres, soldados de folga e colegas em viagem de trabalho. Desaparecido há sete séculos, Hafez continua vivo no Irão – com Sa’di, Rumi, Omar Khayyam e muitos outros poetas, que fizeram da literatura persa uma das mais ricas do mundo. E ainda hoje os iranianos, apesar de terem internet e futebol, continuam a ler poesia e a visitar com cerimónia o túmulo dos seus poetas vivos: presos nos limites rígidos da ditadura religiosa, agarram-se à liberdade da poesia, impedindo os seus poetas de morrerem.

Junto ao túmulo do poeta Hafez


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