Na Grécia é possível subir ao céu (e regressar no dia seguinte)

Lugares Improváveis

O Monte Olimpo é o céu dos deuses gregos. O único onde se pode subir com vida e regressar quando quisermos. Ergue-se dramaticamente a 2.917 metros de altitude, como um varandim sobre montes, vales e mar, e o seu caráter sagrado é reconhecido desde a Antiguidade.

Subida ao Monte Olimpo, o ponto mais alto da Grécia

Da pequena vila de Litókhoro, com os seus modestos 300 m de altitude, avista-se lá no alto a coroa de pedra do Monte Olimpo – Óros Ólimbos, a mais alta montanha da Grécia. As florestas que cobrem a encosta do monte levaram à classificação da zona como Parque Nacional e Reserva de Biosfera da UNESCO: das vinhas, oliveiras e nogueiras cultivadas em redor da povoação, a floresta transforma-se gradualmente em bosques de bétulas e coníferas, que dão por sua vez lugar a prados alpinos e musgos, onde nascem espécies consideradas raras, mais de vinte das quais são endémicas do Olimpo.

Mas não são necessários conhecimentos de botânica para ficar impressionado com a beleza dramática da montanha. Já Alexandre, o Grande, e seu pai, Filipe da Macedónia, fizeram de Dion, a apenas dez quilómetros de Litókhoro, a sua cidade sagrada. Aqui ficavam os principais templos do reino, onde os monarcas ofereciam sacrifícios antes das expedições militares. No cimo do Olimpo, onde habitavam, reinavam os doze deuses helénicos; mais abaixo viviam as Musas, patronas das artes, e só os vales estavam entregues aos homens.

A montanha sagrada dos deuses está agora ao alcance dos humanos – pelo menos dos que gostam de caminhar. Sobe-se o desfiladeiro de Mavrólongos, a belíssima garganta do rio Epinea, até à floresta do Parque Nacional, passando por piscinas naturais de um verde gelado, enseadas de areia, curvas estreitas encravadas na rocha cinzenta. São estes os lugares mitológicos onde se banhava a deusa Leto, antes de ser desterrada. Diz-se que o nome de Litókhoro significa lugar de Leto (de horos, espaço), ou “lugar pedregoso”, o que também faz todo o sentido. Grutas escuras abrem grandes olhos nas paredes do desfiladeiro; por aqui viveu escondida a resistência, durante a invasão nazi, ocultando-se nos bosques e ravinas.

A floresta é húmida e magnífica, formando um grande telhado verde com zonas onde a luz mal consegue furar até ao chão. Salamandras gordas e lustrosas regalam-se por entre as folhas secas, partilhando a humidade com os cogumelos. Há recantos fantásticos, de uma harmonia que só existe na natureza intocada e que anuncia já, certamente, o Olimpo helénico. Nas zonas mais expostas aparecem flores estilizadas, de cores discretas. Subimos e descemos constantemente, atravessamos o rio várias vezes sobre pontes improvisadas com toros de madeira, até atingirmos uns degraus de cimento, que dão acesso a Ágio Spilato, a “Santa Gruta”, onde viveu S. Dionísio – para chegar ao Olimpo temos de atravessar solo cristão.

O imperador romano Teodósio enviou para a zona colonos cristãos, com a intenção de diluir a importância dos últimos adoradores dos deuses. S. Dionísio chegou muito mais tarde, em 1540, e fundou o mosteiro com o seu nome (Ágio Dionysios), a 850 m de altitude, e a três horas e meia de Litókhoro. Destruído pelos turcos em 1828 e pelos nazis em 1943, acusado de albergar e proteger os resistentes, foi novamente reconstruído. O caminho continua bem assinalado, mas o refúgio Spilios Agapitos só se deixa ver quando já estamos relativamente perto, encarrapitado na ponta de um rochedo. A dois passos, um rebanho de camurças corre a esconder-se nos pinhais. Os picos à nossa frente ficaram dourados, uma nuvem de algodão branco entrou pelo vale e transformou os pinheiros em silhuetas aguçadas. Só deixámos de ouvir os pica-paus quando entrámos no refúgio.

Chegada ao Olimpo

Manhã cedo, a enorme coroa de pedra do Olimpo, três horas mais acima, já está iluminada. O caminho é íngreme, com muita pedra solta. As árvores, de tronco forte, agarram-se com força ao chão, mas a meteorologia faz com que vão rareando à medida que subimos, e acabamos por caminhar em encostas nuas e ressequidas. Do mar, apenas um pressentimento, sob a forma de um azul diferente do céu. Receamos as mudanças bruscas da meteorologia, que costumam acontecer nos fins de manhã: irá Zeus fulminar-nos com um dos seus terríveis relâmpagos? A verdade é que todos os anos, esta montanha de fácil acesso reclama a sua dose de vidas, sobretudo durante as épocas da neve e das tempestades.

De repente, foi como se abrissem uma porta: um vento forte e muito frio desatou a soprar, obrigando-nos a recorrer a corta-ventos, gorros, óculos. As nuvens foram empurradas para longe, e quando alcançámos a crista do Skala, uma espécie de onda de pedra petrificada, o céu estava brilhante, limpo e muito azul.

O segundo pico do Olimpo, o Skolio, tem 2.911 metros de altitude, e o Skála, à direita, tem 2.866. O topo, Mitycas, a 2.917 e assinalado pela bandeira nacional é só para quem não tem vertigens: é preciso descer Kaki Skala (Degraus Maus), umas saliências marcadas a tinta vermelha na parede de rocha, que alternam com pequenos espaços de dois palminhos de largura rente ao precipício; com o vento forte que está, não quero arriscar a encontrar Zeus cedo demais… Para quê, se já estou no reino dos céus, bem acima de nuvens que deixam ver pedaços da paisagem quando fogem, espantadas pelo vento?

Preferi ver o Mitykas do alto do Skolio, com o Planalto das Musas estendendo-se por trás e a casita improvável de um refúgio aninhada no prado. Desci pelo caminho mais longo e subi de novo até à base do Olimpo, uma espécie de concha formada por pitões de rocha, cones aguçados, chaminés, um autêntico agulheiro de pedra. Zona interdita durante o inverno, por causa da pendente fortíssima onde a neve não se segura, e que requer atenção aos desprendimento de rochas durante o resto do ano.

Atravessei o prado verde do Planalto das Musas e desci a escarpa de Lémos dentro de um nevoeiro cerrado, partilhando a passagem com vários comboios de mulas carregados de tijolos, telhas e cimento, destinados a reparos nos refúgios. Depois são os bosques de bétulas atapetados de folhas em camadas escorregadias, que alternam com pinhais onde esquilos negros com grandes orelhas correm pelos troncos acima.

À medida que descíamos, percebi que só o Olimpo estava envolto naquelas nuvens brancas e frias – o resto da paisagem estava ao sol. Milagre dos deuses que requerem paz, menos gente a invadir-lhes a morada? E uma vez em Litókhoro, verifiquei que o sítio de onde vinha já nem sequer existia: o lugar do Olimpo estava agora ocupado por uma enorme nuvem branca …


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João Leitão VIAGENS Outubro 4, 2013 às 13:42

Artigo muito bonito principalmente com essa imagem mística, que faz com que o resto que se lê seja mais profundo. Vou partilhar. Beijinhos desde a Venezuela!

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Comedores de Paisagem Outubro 4, 2013 às 23:13

Obrigada, João! E boas viagens para ti também!

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Letisga Janeiro 15, 2015 às 17:06

Vcs chegaram a encontrar algum Deus ou a ver o Olímpo ?

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Comedores de Paisagem Janeiro 16, 2015 às 16:41

Nós é que nos sentimos deuses, com a vista que se tem do alto do Olimpo! 🙂

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veronica rompato da silva Julho 13, 2015 às 2:44

mas vcs viram algum deus ou deusa?

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Comedores de Paisagem Julho 13, 2015 às 20:06

Verónica, acho que vi uns 7 ou 8, com gorros e luvas, cheios de frio. Isto segundo a ideia de que deus está dentro de cada um de nós…
🙂

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Andrea Junho 18, 2016 às 20:52

Legal mesmo ! Me estimularam a tentar fazer esta aventura. Vocês foram em que mês ? Acha que é possível subir até o Mitycas, num mesmo dia e descer, à partir de Litochoro ?

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Comedores de Paisagem Junho 22, 2016 às 11:22

Andrea, possível é, mas com muito esforço e a correr. Sem tempo para aproveitar a paisagem.
Nós subimos em outubro, e desaconselho os meses de mais calor (julho e agosto), para a subida ser mais confortável.
Boas viagens!

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Andrea Junho 24, 2016 às 3:41

Muito show !! Obrigada pelas orientações. Devo subir em outubro também, bem no início do mês. Li mais sobre o tema e decidi parar num daqueles refúgios. Tudo de bom , também , muitas aventuras e, muitas paisagens bonitas na jornada de vocês !!!

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Comedores de Paisagem Junho 27, 2016 às 11:49

Obrigada, Andrea! E boas viagens! 🙂

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wellington Julho 31, 2016 às 19:27

boa tarde gostaria de informações como devo proceder para fazer este caminho?

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Comedores de Paisagem Setembro 2, 2016 às 11:33

Por favor, leia as respostas já dadas. Obrigada pelo interesse!

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Maria Cristina Priore Agosto 2, 2016 às 18:58

Adorei o artigo. Muito bem escrito e motivador. Eu a meu marido estamos entusiasmados para fazer a subida, no mês de setembro. Há necessidade de guia? A trilha é bem demarcada e podemos ir sozinhos?

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Comedores de Paisagem Setembro 2, 2016 às 11:37

Obrigada Cristina. Não há necessidade de guia, a trilha está bem marcada e há refúgios onde pode ficar. No posto de turismo de Litókhoro obtém todas as informações que necessita, bem mais atualizadas do que eu poderia fornecer aqui. Atenção, sobretudo, à parte sobre a meteorologia e ao facto de poder ser necessário reservar lugar no abrigo.

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Carlos Eduardo Paulon Agosto 22, 2016 às 23:14

Caros amigos, gostaria de obter mais informações sobre a subida ao monte Olimpo. Como consigo mais dicas sobre essa “escalaminhada”.
Tempo de caminhada, distancia, ponto de partida, reserva no refugio etc.
A matéria foi muito legal, motivo de ter suscitado o desejo de fazer esse passeio. Parabéns e grande abraço.

Paulon

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Comedores de Paisagem Setembro 2, 2016 às 11:42

Carlos, como pode ler no texto, optámos por fazer a caminhada pausadamente, em dois dias, com uma dormida em refúgio. Há quem faça ida e volta começando muito cedo, mas para mim, perdia-se o passeio… Não há necessidade de guia, a trilha está bem marcada e há refúgios onde pode ficar. No posto de turismo de Litókhoro obtém todas as informações que necessita, bem mais atualizadas do que eu poderia fornecer aqui. Atenção, sobretudo, à parte sobre a meteorologia e ao facto de poder ser necessário reservar lugar no abrigo.

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jorge martins Fevereiro 27, 2019 às 15:56

Belo relato! Parabéns!

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Comedores de Paisagem Novembro 5, 2020 às 12:19

Obrigada, Jorge!

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