Trekking no Nepal – onde começa o Mustang

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O Mustang começa mesmo ali, onde alguns terminam o Circuito dos Anapurnas. Velhas fortalezas e mosteiros reluzentes são a prova da cultura única da zona, que vai até à fronteira com o Tibete.

 

 Onde começa o Mustang

Dizem que no Mustang as tradições tibetanas são mais genuínas que no próprio Tibete, porque este antigo reino ficou do lado do Nepal, em vez de ser anexado pelos chineses. Cheguei a Muktinath, no Baixo Mustang, pelo Circuito dos Anapurnas, e as diferenças deste lado da portela de Thorong eram óbvias e extraordinárias. A povoação é um local de peregrinação para hindus e budistas, que vêm visitar os templos e mosteiros locais – mas eu só tinha olhos para o outro lado do vale, onde desfilam aldeias arcaicas, como templos instalados nos altares naturais das montanhas.

Mosteiro feminino em Mukhtinath

Jhong é uma delas. Um sonho que se avista de todo o lado: a fortaleza alaranjada, em ruínas, junto a uma gompa bem pintada, em equilíbrio sobre uma colina e rodeada pela aldeia de casas baixas. As linhas e as cores são as do Mustang, uma região do Nepal durante muito tempo fechada aos estrangeiros. Aqui é o Baixo Mustang; para seguir ao longo do rio Kali Ghandaki até à fronteira com o Tibete – o Alto Mustang – e alcançar a sua “capital”, Lo Mantang, o governo nepalês continua a exigir uma autorização especial que custa 500 dólares. Há uma estrada a ser aberta da fronteira até Jomsom, a povoação mais importante e única com aeroporto na região; infelizmente, tal como do outro lado do Thorong La, está a ser construída em cima do antigo trilho que percorre o vale; felizmente, mal comecem a passar jipes de turistas chineses, acaba esta galinha dos ovos de ouro.

Daqui já se antevê o resto: fortalezas cor de tijolo, como a de Jhong, aldeias de casas baixas, poucas árvores, muitos arrozais. Gompas (mosteiros tibetanos) bem estimadas e uma série de montanhas que se sucedem no horizonte, terminando em gigantes gelados que absorvem a luz e se tornam dourados ou incandescentes, dependendo da hora do dia.

As cores das montanhas, do bege ao laranja passando pelo cinzento, inspiram arquitetos e decoradores, que as copiam nas paredes das casas com terraços onde se acumula a lenha e, ocasionalmente, uma antena parabólica.

Aldeia de Jhong

Fiquei em Mukhtinath até o meu corpo voltar ao normal (mãos quentes, desejos de comida), o que só aconteceu no dia a seguir ao da chegada. Esperei até às três da tarde que os canos da água do lodge descongelassem, apesar de estarem expostos ao sol, para poder quebrar um jejum de banhos que já durava há cinco dias. Mas depois de dois dias a mais de 4.000 metros de altitude, estar a 3.800 metros é como um dia na praia. E enquanto o meu corpo desenrugava e saía do torpor do frio, voltava a ânsia de caminhar entre as montanhas.

Jhong é apenas a primeira das várias aldeias que é preciso ultrapassar para chegar ao vale do Kali Gandaki. De manhã, movimentamo-nos dentro de uma luz gelada, mas o sol e uns farrapos de nuvens fazem jogos de sombras nos restos das torres da fortaleza, como dedos levantados, e a nova gompa bem pintada com as cores da sangha tibetana. Socalcos pardos, desenhados por mão de jardineiro, um ou outro com arroz ainda verde, fazem um contraste estético que parece propositado. Lá em cima, os Himalaias, os Anapurnas, os gigantes brancos; na frente, montes castanhos, cinzentos, pardos, cada um com a sua textura.

Numa paisagem completamente desértica encontrei dois pastores com duzentas cabras e uma dúzia de vacas – informação trocada pela da minha nacionalidade – numa área onde manchas brancas revelavam a presença de sal no solo. Os bichos lambiam o chão e bebiam de um charco redondo.

A descida até Kagbeni tornou-se bastante intensa ao fim da manhã, quando fiquei à mercê dos horríveis ventos que correm pelo vale estreito. É o género de vento que se faz ouvir antes de nos bater com toda a força, em rajadas que desequilibram e enchem os olhos de pó. Apesar do obstáculo, a vista sobre o Kali Ghandaki é fabulosa: uma tira fina e azulada num leito de cascalho leitoso, que serpenteia pelo corredor proibido onde as montanhas mudam de cor, em direção ao Alto Mustang. Do lado oposto fica Kagbeni, e o vento que me esbofeteia.

Restaurante com sentido de humor em Kagbeni

Pelas ruas da aldeia desfilam promessas de apple pies e cervejas internacionais, cafés Illy, pastelarias e restaurantes. Mas como estamos em finais de dezembro, estão quase todos fechados. Descubro uma guest house aberta e instalo-me. A dona deixa os gatos aquecer-se em cima do fogão a lenha e eu fico com inveja deles: também gostava de me enroscar entre as panelas de tukpa (sopa tibetana) e abrir só um olho de vez em quando, para ver se aquele vento horrível já passou.

Com alguma coragem, percorro o labirinto medieval da povoação e vou encontrando os habitantes em fila, encostados aos muros mais soalheiros, catando-se e desfiando conversas. Junto à polícia, onde teria de registar o passaporte se continuasse vale acima, alguns homens fiam maços de lã, e dois iaques gigantescos apanham sol. Mas fico por aqui, pelo começo do Mustang. E no dia seguinte desço pelo leito quase vazio do rio até Jomsom, onde um qualquer transporte me há de trazer de volta à realidade.


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