Tuaregues, os últimos “homens livres”

Coisas do Mundo / Destinos

Encontrei pela primeira vez tuaregues “a sério” na Líbia. E depois de conviver alguns meses com estes descendentes dos berberes também no Níger, percebi porque é que andam aí tantas imitações.

Tuaregues, os “homens livres” do deserto

Os tuaregues mantêm uma aura de povo indomável, porque é isso que são. Já tinha visto muitos “mascarados” em Marrocos e na Tunísia, vestidos a rigor para impressionar os turistas, de boubou esvoaçante e turbante azul, representando o romântico papel de cavaleiro tuaregue recém-chegado do deserto. Mas à parte algum que ande extraviado, os cerca de milhão e meio de tuaregues que se estima existirem concentram-se sobretudo numa extensa – e vazia – região da África, entre a Mauritânia, o Mali, o Burkina Faso, a Argélia, a Líbia e o Níger.

Descendentes dos berberes que escolheram refugiar-se no deserto do Sara na altura das invasões árabes do século VII, os tuaregues desenvolveram uma língua (o tamaxeque) e cultura próprias. No Níger, consideram a cidade de Agadez como a sua capital. Fundada no século XIV como um importante centro para as caravanas que percorriam a África Ocidental até ao Egito e à Líbia, a cidade parece não ter mudado muito desde então. A construção mais alta é a Grande Mesquita, levantada no século XVI e muitas vezes reconstruída, com um minarete de vinte e sete metros de altura eriçado de troncos. As são casas baixas e com terraços, muitas delas ainda feitas em banco, (tijolos de terra secos ao sol), pintadas de vermelho pelo harmattan, o vento forte que sopra do deserto do Teneré.

Em tamaxeque, Teneré significa, simplesmente, deserto. Areia dourada, chão empedernido, montes calcinados onde parece não ser possível viver, sem muros nem marcos geográficos que assinalem os riscos das fronteiras desenhadas nos mapas. No entanto, eles continuam por aqui, os nómadas tuaregues, que muitas vezes só identificamos pelo rasto: cabanas de palha abandonadas, um poço coberto por ramos de acácia. Muitos tornaram-se seminómadas e apascentam cabras e dromedários durante parte do ano, ocupando o resto do tempo a fazer nascer tâmaras, laranjas e romãs em oásis bem cuidados, como o de Timia.

Há séculos que se deslocam de dromedário, atravessando as fronteiras invisíveis de pernas cruzadas, como quem passeia de poltrona. Do corpo vemos apenas as mãos, os pés e os olhos, que o resto está protegido do calor por camadas finas de roupa, e um turbante de vários metros. Em pleno deserto são uma aparição impressionante: surgem do nada, sem ruído, de turbante até aos olhos e takuba (espada tradicional) à cinta, orgulhosos senhores de toda aquela poeira povoada por acácias espinhosas, arbustos pardos e dunas lisas.

Portam-se como cavalheiros: tapam a cara com o turbante como quem ajeita a gravata e aperta o botão do fato, falam pouco e afastam-se para comer, porque é má educação mostrar o interior da boca. Chama a si próprios imazaghan (homens livres, em tamaxeque), e as mulheres também são muito mais livres do que outras nómadas do Sara. Maioritariamente muçulmanos, não levam a religião com rigor, misturando o seu antigo animismo com as regras de uma sociedade muito hierarquizada, com castas e subcastas, onde continua a haver servos e escravos.

O tinto azul brilhante do turbante índigo tradicional, o tagelmust, tinge-lhes a cara e as mãos, dando origem ao nome de “homens azuis”. Mas hoje em dia o verdadeiro índigo é demasiado caro, e fica guardado para os dias mais solenes ou de festa. As mulheres, donas das cabras e da tenda, com direito a expulsar o marido caso ele se porte mal, não o usam para cobrir a cara; apenas para se maquilharem, humedecendo-o e esfregando-o ligeiramente nos lábios e nas maçãs do rosto.

As mulheres tuaregues não escondem a cara com o véu, ao contrário dos homens.

Para navegar no deserto, os tuaregues parecem ter desenvolvido um sistema natural de GPS que lhes permite conduzir um jipe ou uma caravana durante a noite, ou debaixo de uma tempestade de areia. Hoje já são raras, as caravanas carregadas de sal que conduziam pelo deserto, entre as salinas e os oásis dos montes Air, e mesmo até Agadez, a “grande cidade”. Mas antigamente iam das margens do rio Níger, no Mali, até Tripoli, atravessando o Hoggar argelino e passando por Ghat e Ghadamès, na Líbia; outras iam do Senegal a Marrocos, da Tunísia ao lago Chade.

Uma caravana pode ser composta por centenas de dromedários, raramente montados pelos que a acompanham; é a carga que ocupa o seu dorso, enquanto os homens caminham na frente e atrás, marcando o ritmo do dia. Nos anos 30, as salinas de Bilma, no Níger, chegavam a juntar cerca de vinte mil animais na época da azalai – que em tamaxeque significa caravana. A vida seria impossível sem esta ligação forte com os “navios do deserto”: o seu número determina a riqueza e o estatuto social do seu possuidor e, ao contrário de algumas tribos árabes, nenhum tuaregue que se preze mata ou consome carne de dromedário.

Conhecidos guerreiros e salteadores, os tuaregues também costumavam usar o seu conhecimento do deserto para fazer o papel de guarda-costas de outras tribos; em Ghadamès, por exemplo, os berberes locais contratavam-nos como proteção contra pilhagens, papel que desempenhavam com gosto, quando não estavam eles próprios a pilhar outras caravanas…

A abolição oficial da escravatura – apenas oficial, dado que ainda existem milhares de escravos nesta região de África –, assim como as independências africanas, com novas fronteiras e novos governos, deram o golpe final na vida nómada. Em Agadez, dedicam-se agora ao escasso turismo, abrindo agências de viagem que oferecem expedições no Teneré, e detêm grande parte do comércio geral, incluindo fabrico e venda de artesanato. A reivindicação de um país independente, que de vez em quando descamba em rebeliões violentas, como a de 2012, é fruto da falta de poder de decisão nos meios políticos e económicos. Mas assim que as estradas estejam abertas e a calma do deserto regresse, Agadez é o lugar a visitar para um mergulho no deserto profundo – e na cultura tuaregue.


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