Turismo, terrorismo?

Destinos

Talvez por o turismo nunca ter tomado grandes proporções, em Madagáscar, a presença de visitantes estrangeiros tem resultado numa lenta tomada de consciência em relação ao que se pode perder. Mais do que isso, começa a ser um travão contra o desflorestamento e destruição maciça das áreas selvagens, que já reduziram a floresta deste belíssimo país a cerca de 10% da sua totalidade.

Aldeia e Reserva de Anja, um exemplo de turismo racional

Madagáscar: turismo é terrorismo?

A expressão “turismo, terrorismo” já existe há décadas, e descreve os efeitos perversos da exposição contínua de tipos de vida tradicionais e de áreas naturais ao turismo, pelo menos a longo prazo. Os exemplos saltam à vista em vários pontos do globo, nomeadamente nas tão procuradas zonas costeiras de países tropicais ou com um clima agradável, onde é comum encontrar pacíficas praias de pescadores arrasadas para construir resorts em cima da areia, e onde os pescadores se dedicam agora à “pesca” de turistas para vender um pouco de tudo, do artesanato “típico” aos serviços de guia. Quanto aos restaurantes, têm a oferta reduzida a pizza, capuccino, falafel e hambúrgueres.

Mas também há lugares onde turismo parece ter o efeito contrário. Madagáscar pode gabar-se de ter mais de duzentas mil espécies de animais, e só entre as endémicas contar-se milhares de insetos, centenas de sapos e de répteis, cinco famílias de aves e cerca de duzentos mamíferos que incluem os famosos lémures, da família dos primatas. Mas é impossível não ranger os dentes de revolta quando se vê pela primeira vez as enormes extensões de solo desflorestado.  A agricultura e a criação de gado são feitas praticamente sem controlo, e a maior parte da população continua a cozinhar com carvão feito ilegalmente dentro da floresta, sendo as árvores de madeira mais dura e de crescimento mais lento, como o raro pau-rosa ou a palissandre, as mais apetecidas.

Sakalaha

Em duas situações específicas tive oportunidade de contactar com os protagonistas do futuro da ilha, de ambos os lados da barreira. De um lado estão os marceneiros de Sakalaha. A aldeia fica a uma hora de Tuléar e é composta por filas de cubatas dos dois lados da estrada, com mobília novinha em folha junto às bermas: mesas, cadeiras, camas, etc. E também uns sacos informes cheios de carvão. Fui lá ter por acaso, graças a um engano no transporte, e o acolhimento foi tremendo: mulheres e crianças foram saindo das casas para me ver, ofereceram-me uma tangerina, e até apareceu uma cadeira para me sentar. Rodeada de sorrisos e curiosidade, partilhei também o que tinha: alguns bolos, bananas e um punhado de rebuçados. Foi tudo aceite com avidez. Alguns sumiram-se dentro das casas com o que lhes calhou, outros comeram e partilharam com quem ia chegando para ver a vahaza (estrangeira). O convívio foi divertido e animado: as crianças dançavam e faziam piruetas para a fotografia; os que tinham vindo ao meu encontro queriam fotos com os filhos, e sobretudo que ficasse ao pé deles – e para isso arrastaram a cadeira para junto da mobília e puseram-se a trabalhar, mostrando-me a sua arte.

Não demorei muito a perceber que estes eram os “criminosos” que destruíam a floresta, e com ela espécies únicas no planeta. Esse era mesmo o seu único modo de vida. Entravam na floresta, que já tinha sido abatida até uma distância considerável das casas, e traziam madeira para fazer as mobílias que depois vendiam na beira da estrada. Pior do que isso: queimavam toneladas de troncos para fazer carvão, que também vendiam aos passantes como combustível. Ninguém estava a trabalhar para comprar um Mercedes ou uma vivenda de luxo. Duvido que comessem em condições todos os dias, e havia dezenas de crianças de todas as idades. E o facto de haver espécies únicas não é coisa que detenha quem tem uma família para alimentar.

Anja

Do outro lado da barreira está Anja, pequena aldeia de agricultores e pastores de zebus. A zona é belíssima, enquadrada pelos primeiros montes cinzentos do Parque Nacional de Andringitra, as casinhas alaranjadas com telhado de colmo distribuídas por um cenário de arrozais verdes – uma  imagem que lembra mais a Ásia do que África. Há alguns anos, Anja transformou-se num exemplo a seguir: o governo montou um programa em que a floresta é gerida pelos habitantes, que compreenderam que rendia mais reservar uma parte das suas terras para preservar a floresta e a vida selvagem, do que queimar tudo e usar a terra durante o tempo em que é produtiva.

Ao chegar à aldeia encontramos uma espécie de receção, onde compramos um bilhete de entrada e pagamos um guia e um pisteur (expressão francesa que designa alguém que segue as pistas dos animais). Geralmente somos acompanhados por dois rapazolas que levam a coisa na desportiva, e se divertem tanto a ver o encanto infantil com que encaramos cada bicho, como nós na descoberta dos lémures, lagartas felpudas e outros seres quase extraterrestres em que a ilha é farta. Os aldeões levaram a coisa a sério e abriram trilhos, um deles com o picante de se descer um rochedo por uma corda, de modo aos turistas reviverem as alegrias da selva. Escavaram campas na rocha, que embora não tenham defuntos são, de facto, iguais aos túmulos tradicionais, e propõem dois itinerários com passagem por miradouros, cavernas habitadas pelos seus antepassados, plantas de altitude e medicinais, mostrando tudo o que faz parte da sua cultura com um cuidado digno do melhor operador turístico.

Há muitos outros lugares em Madagáscar que recorrem a um turismo sustentável para complementar o modo de vida tradicional, afastando-se do terrorismo turístico. Do lado de quem viaja, é importante dar apoio e reconhecer esta abordagem tão simples, que consiste apenas em manter o que há, e mostrá-lo.


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Quando viajo faço sempre um seguro de viagem pela Nomads


Olga Março 6, 2013 às 18:07

É sempre um regalo para os sentidos,seguir-te!
É facil imaginar-me lá…as fotos sao soberbas,olha nem sei que dizer mais :-))

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