O longo caminho para Duchambé

Lugares Improváveis

No Tajiquistão, apesar de haver transportes públicos que partem quando estão cheios, a viagem entre Khorog e a capital, Duchambé, pode ser complicada…

Paragem para almoço na estrada para Duchambé

Tajiquistão: viagem atribulada de Khorog a Duchambé

A viagem começou mal: depois de estremecer e estrebuchar durante muitas horas, a mashrukta que nos devia levar de Khorog a Duchambé em vinte horas – um mini-autocarro russo, de linhas redondas e com muitos anos de vida – tinha dado o último suspiro ao subir uma montanha.

Quando cai a noite, o Tajiquistão não é dos países mais animados do mundo, nem sequer dos mais iluminados. Por isso ponderei, com mais duas estrangeiras (uma quirguiz e uma japonesa) a possibilidade de descer a pé os cerca de dez quilómetros até à aldeia mais próxima. Mas entretanto, com algumas marteladas, uns pedaços de papelão entalados entre porcas e parafusos, e muito óleo a escorrer pelo chão, o condutor e o dono de outra mashrukta – nenhum veículo daquela idade empreende uma viagem longa sozinho – tinham conseguido pôr a máquina a andar. Alegria! Toda a gente saltou para os lugares, contente e faladora, com risos e suspiros de alívio! Estávamos a caminho e talvez ainda lá chegássemos ao raiar do dia, como estava previsto. E assim andámos uns vinte metros. Até sentirmos o carro a deslizar para trás enquanto o condutor carregava com força no acelerador. Foi o fim.

Aos empurrões, o veículo foi posto em sentido contrário e desceu a montanha desligado, com a ajuda do travão, até chegar à aldeia de Khalaikum envolvido num desagradável cheiro a esturro. A única luz da terra estava numa espécie de café local que servia caldos de carne com batata e chá. Um dos funcionários sugeriu amavelmente, em russo, à minha nova amiga quirguiz, que podíamos dormir no pátio de uma casa ali próxima, à falta de quartos para um autocarro de doze pessoas. O condutor, por seu lado, prometia que amanhã a mashrukta estava como nova. À cautela, a quirguiz arrancou-lhe metade do dinheiro da viagem, não fosse o bólide desaparecer nas sombras da noite deixando-nos ali de dedo esticado, à boleia…

A noite passou-se bem, com o fresco do rio que corria junto à casa a espantar os mosquitos, e logo de manhãzinha recebemos a visita de duas tajiques, nossas compinchas de viagem, que nos apressavam o madrugar dizendo que o autocarro estava reparado – e à nossa espera! Saltámos lá para dentro e seguimos viagem. Desta vez o bólide subiu a rampa toda. Mas abafou na descida. Quando vimos o condutor a pegar na caixa das ferramentas, a Nastya, quirguiz bem conhecedora dos costumes da região – e nessa altura já em plenos poderes da sua missão de ajudar as novas amigas, por ser a única que falava uma língua-franca (o russo) -, anunciou: “vamos à boleia”. Entregou metade do nosso dinheiro ao condutor, atravessou a estrada e esticou o dedo.

Quando eu e a japonesa conseguimos desenterrar as mochilas do porta-bagagens, já ela tinha feito parar um camião gigantesco de transportes internacionais. Anunciou simplesmente: “só pode ir uma pessoa em cada camião com o condutor, mas eles são um grupo de quatro – Ana, segues no próximo, e tu no outro, Momoko”.

Adoro camiões e sempre tive o desejo de conduzir um: ver a estrada e a paisagem lá do alto, sentir um grande volume e não uma caixinha de fósforos atrás de mim, é uma delícia. O meu condutor não falava nada que eu conseguisse perceber, para além das minhas vinte palavras russas. Concentrada nas vistas sobre montes, rios e aldeias encasquetadas nas montanhas, preparei-me para relaxar até Duchambé

Engano fatal: não tardaram duas horas e o primeiro camião já estava parado na estrada, com um pneu furado. Foi uma hora de espera, a passear pelas bermas, enquanto reparavam o pneu gigantesco. E recomeçámos. A paisagem renovou-se: agora descíamos suavemente, as montanhas baixavam no horizonte e a estrada de terra era por vezes atravessada por cachoeiras que jorravam da encosta.

Uma hora mais tarde, foi um pneu do camião da Nastya que furou. Pior: a nossa mashrukta, que pelos vistos tinha sido mesmo reparada, passou por nós a buzinar triunfantemente. Mais uma hora de espera. Seguimos caminho. E foi a vez do camião da Momoko: a enorme caixa de carga desabou sobre as rodas do lado direito. Um eixo partido? Não percebo nada de mecânica. Só sei que desta vez a paragem não durou mais de meia hora, até concluírem que o veículo ficava ali, no meio da estrada, e o condutor vinha connosco porque era impossível reparar o camião.

 

Bomba de gasolina na estrada para Duchambé

Tivemos depois direito a uma paragem de mais de duas horas, enquanto os condutores vendiam o resto da gasolina dos depósitos aos passantes. E depois só faltava a paragem para jantar, já o asfalto tinha reaparecido, a pouco mais de cem quilómetros da cidade. Sem ânimo para protestar, aceitei um café dos nossos condutores, que pareciam encantados por ter companhia e nos queriam oferecer aquela pausa alimentar.

Era meia-noite e vinte quando entrámos em Duchambé para procurar um sítio para dormir – e passava da uma quando a Nastya apagou a luz num quarto com três caminhas, e adormecemos agradecidas por termos chegado. Cinquenta e duas horas depois.

 


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Isabel Março 21, 2014 às 19:37

Parecia um filme ‘on the road’: conseguiste, com as palavras, colocar-me lá, no lugar das estradas que sobem e descem…mas fiquei à espera de mais paisagem! Parafraseando uma frase num conto de Sam Shepard, entre o camião e a paisagem, prefiro a paisagem.

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Comedores de Paisagem Março 21, 2014 às 20:33

Fico muito contente por ter conseguido levar-te até ao Tajiquistão… mas ainda não consigo tirar fotos decentes dentro de um autocarro cheio até à porta…Prometo para breve um post sobre o Wakhan: o Tajiquistão com vista sobre o Afeganistão!

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