Para ver e sentir as mudanças de estação em Portugal, não há lugar como a Mata de Albergaria, no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Só ali há tanta árvore diferente, cada uma com o seu vestido, escorregando pelas encostas ao encontro do rio Homem. Com o outono chegam as cores da estação, do vermelho ao dourado, passando por todos os matizes de amarelos e laranjas – e há mesmo alguns verdes, embirrentos e primaveris, que cismam em contrastar o ano inteiro.
Na Mata de Albergaria
No princípio era a cor. Ainda antes do verbo, os homens viam, tocavam e cheiravam as cores da terra. O outono cheira a trovão e a chuva morna nos vales. Nos cumes, a neve não tem cheiro nem cor e fica agarrada aos pitões de pedra cinzenta, à espera do sol.
Só quem nunca percorreu a Mata de Albergaria num glorioso dia de outono é que pode achar que a estação é triste e melancólica. Não há outra época tão com cores tão fortes e variadas, e até a chuva faz o seu papel, lavando regularmente as árvores e dando-lhes brilho. A luz coada pelas nuvens atravessa as folhas para lhes realçar as nervuras, mostrando transparências que a luz forte do verão não deixa ver. O chão torna-se fofo e estaladiço, com camadas e camadas de folhas lindas que apetece levar para casa e cobrir o chão com elas. Transformar a casa num bosque.
Não é estação de grandes ventos, o outono. Sabe bem caminhar sobre as folhas, procurar cogumelos, apanhar bugalhos rechonchudos e leves enquanto se ouve ao fundo o rio, a falar com as pedras. A paisagem é suave, com a rudeza das fragas vestida por um bosque de beleza excecional: há carvalhos gigantes, faias gigantescas, uma amálgama de espécies mediterrânicas e do norte da Europa que se levanta de um colchão de fetos, na primavera, ou de um manto de tons dourados, no outono. É uma floresta encantada, por onde os raios de sol entram filtrados por folhas, ou nem sequer entram. Morada de duendes, sem dúvida. Lugar de fadas com banda sonora de água e pássaros.
Em certos lugares o rio Homem cavou piscinas arredondadas, poços profundos de água verde ou azul, conforme a luz. E o melhor de tudo é que este é o único Homem que aqui reina; os outros moram afastados e entram a pé. E há muito que é assim: antes dos motores que nos levam a toda a pressa de um lado para o outro, os romanos construíram uma estrada que ligava as cidades imperiais de Bracara Augusta (Braga) e Asturica Augusta (Astorga) – e é na Mata de Albergaria que encontramos um dos troços mais bem preservados desta Geira Romana. Seguindo-a, entramos na floresta encantada e vemos o outono por dentro. Serve de guia a quem precisa de encher os olhos de cor e luz, e conduz-nos por entre marcos miliários e árvores da mesma época, até ao encanto absoluto.
Que saudades!
Beijocas da Belocas