A caminho da Índia

Destinos

Estou neste momento a caminho da Índia. Aliás, todas as minhas viagens são um desvio – que pode durar alguns anos – antes do regresso ao caminho essencial, que é o da Índia.

Templo jain em Palitana

Esta é a minha viagem primordial. Não a primeira, mas a que orienta os meus passos nas outras e acaba por me colocar na mesma direção: a caminho da Índia, no sentido de aprofundar as pegadas que deixei antes.

Quando me perguntam de que país gostei mais, em todas as viagens que fiz, não consigo responder. Penso em montanhas e desertos, não em países. Em encontros que não se repetem.  Acontece que os Himalaias estão no norte da Índia, onde a inóspita região do Ladakh é das mais impressionantes do subcontinente. E os nómadas rabari, que se deslocam em longas cáfilas de camelos brancos pelo deserto do Thar, são a miragem perfeita no deserto. Com mais de um bilião de habitantes, a Índia é só encontros e reencontros, desejados ou não…

A arquitetura monumental dos mogul, que tem o seu apogeu no Taj Mahal e na cidade abandonada de Fatehpur Sikri, a norte, e nos elaborados templos dravidianos, a sul; a riqueza dos palácios do Rajastão e o despojamento dos templos jain de Ranakpur ou Palitana – eles próprios jóias de mármore branco – acabam por funcionar apenas como guias para estabelecer um itinerário num território imenso, com vinte e três línguas oficiais e pelo menos cinco religiões influentes. Mas a verdadeira arquitetura da Índia é a arquitetura humana, a massa de gente em movimento que diariamente forma um caleidoscópio colorido nas ruas das cidades e nos campos.

Não há solidão na Índia. Passear pelas ruas da Velha Deli ou nas ghats de Varanasi é ter os olhos num arco-íris em mudança constante, um assalto aos sentidos completado pelo eterno cheiro a fumo e especiarias, que nos envolve desde que pomos pé em solo indiano. Lugares espirituais, como Varanasi, o Templo Dourado sikh ou Bodhgaya, onde Buda encontrou a iluminação, são sobretudo lugares onde somos bem-vindos, antes de qualquer viagem interior que nos proporcionem.

A Índia são os indianos pálidos e de olhos verdes do Caxemira, e escuros de olhos negros do Kerala e Tamil Nadu; é o sabor do açafrão e o cheiro a coco, o gosto forte do caril e o perfume do incenso. Existe outro país onde se ouça sempre música nas ruas? Cantoras com voz de Rato Mickey sobrepõem-se constantemente à chinfrineira caótica de um trânsito feito de automóveis, autocarros, riquexós e vacas, onde por vezes passa, intercalado, um elefante. É tanto cheiro-cor-som que há quem faça uma “pausa da Índia” no Nepal, onde pode olhar as montanhas em silêncio e em solitário. Porque a Índia vem ter connosco, toca-nos no ombro e chama-nos a atenção, ora com brutalidade, ora com gentileza. Pode oferecer-nos uma grinalda de flores com um sorriso, (“no charge, madam”), vender-nos tapetes voadores ou atirar-nos de surpresa à cara uma criança seminua que se agarra à nossa roupa, um leproso de olhos ternos que estende os cotos num pedido, ou o fedor – e a visão – de excrementos humanos, ao virar de uma esquina. Porque a Índia é o mundo. E eu estou a caminho da Índia.

 


Pub


Quando viajo faço sempre um seguro de viagem pela Nomads


Isabel Ribeiro Novembro 1, 2012 às 15:18

Boa viagem Ana; que os teus olhos (e a tua máquina fotográfica!) consigam documentar a magia e cor deste país multicultural, de património extraordinário e com enquadramentos geográficos tão contrastantes e, contudo, tão sublimes.
Os meus pensamentos e amizade vão estar contigo, podes crer.

Responder

Comedores de Paisagem Novembro 1, 2012 às 20:23

Obrigada, Isabel. Também espero conseguir fazer entrar uns bocadinhos da índia na máquina…
O Comedores de Paisagem vai continuar a “funcionar” normalmente, todas as semanas. Mantém-te em contacto, sim?
até já!

Responder

Olga Novembro 2, 2012 às 18:06

Como diz uma escritora…
“fazes-me falta”

Boa aventura!
Cá te esperamos.Bjs

Responder

Comedores de Paisagem Novembro 3, 2012 às 18:40

Obrigada e até já!

Responder

isabel Novembro 2, 2012 às 18:23

Um texto mais que lindo, Ana. Sentido. Vais, como dizes, para o lugar de todos os lugares. Para o rés das coisas, dos seres, da essência. Vê e conta depois.

Responder

Comedores de Paisagem Novembro 3, 2012 às 18:42

Vou contar, sim…só espero que a beleza das coisas se digne colar-se às minhas palavras e, já agora, a entrar-me nas máquinas fotográficas…
até já

Responder

Ana Paula Costa Novembro 5, 2012 às 1:00

É uma delícia ler coisas escritas por ti…
Passas de um tom quase solene a um tom de brincadeira, da mesma forma que uma criança passa do riso ao choro, sem com isso se perder o envolvente humano que te é tão caro.
Desejo-te as maiores venturas e aventuras por esse país surreal que é a India.
Sei que vais trazer as cores, os cheiros e as gentes nas tuas fotografias e descrições.
Fico por aqui á tua espera com saudade.
Um grande abraço e uma BOA VIAGEM.

Ana Paula

Responder

Comedores de Paisagem Fevereiro 1, 2013 às 11:44

Obrigada, Paula. E sabes que mais? Já cá estou…

Responder

Cancel reply

Deixe o seu comentário!