O admirável mundo novo da Patagónia

Destinos

Dividida entre a Argentina e o Chile, a Patagónia tem as qualidades de um mundo novo que acabou de sair da Terra: a luz é primordial, e as montanhas, nuas e aguçadas, feitas de pedra ainda não polida pelo tempo.

Da Patagónia à Terra do Fogo

A Patagónia é um dos casos mais gritantes de fronteiras irracionais e injustas, sobretudo no extremo sul, e na grande ilha da Terra do Fogo: do lado do Chile e do lado da Argentina, encontramos o mesmo território inóspito, de montanhas nuas cujas arestas ainda não foram amaciadas pelo tempo, de glaciares gigantescos e de estepes. É um mundo novo, com uma luz pura como só encontrei na altitude do Tibete, paisagens terrosas e hostis, onde é difícil viver.

Desde que haja alguns arbustos secos de calafate, espinhos e as ervas teimosas que formam a estepe patagónica, conseguimos avistar manadas de guanacos, nandus (a ema da Patagónia), raposas e lebres. As rapinas – algumas das maiores do planeta, como o condor – também conseguiram povoar este novo mundo, e perfuram agora as nuvens negras que se penduram no Cerro Torre e o Chaltén (também conhecido como Fitzroy).

Glaciares como o de Perito Moreno e o de Grey, mares de gelo de um azul irreal, descem como cachecóis enrolados à volta de picos calcinados por tanto frio. Lagos, muitos, dos dois lados: o grande Viedma e o Grey partilham a mesma cor turquesa e as mesmas ondas nervosas, que cospem pedaços de gelo do tamanho de uma casa, encalhando-os nas margens escuras.

E que dizer da floresta? As árvores austrais são como arbustos gigantes, que poupam em folhas para compensar em espinhos e agulhas. Metade do ano jazem com os troncos adormecidos, meio enterrados em gelo ou neve; a outra metade, são zurzidas por um vento inclemente, que as tosquia e esculpe como bonsais.

As povoações não crescem muito, e quando o fazem, como a de El Chaltén, no sopé do monte com o mesmo nome, é de forma sazonal, para albergar os turistas que cada vez mais procuram a beleza pura do vale do Rio de las Vueltas e a Meca de escalada e montanhismo em que se transformou o maciço: uma coroa rochosa sobre um trono de terra escura, o Chaltén a lembrar-me sempre um anjo de pedra com as asas abertas.

O mesmo acontece do lado do Chile, no Parque Nacional Torres del Paine, onde uma bem estruturada rede de albergues e ferries atravessam diariamente os lagos e providenciam abrigo aos que vêm descobrir a pé este castelo de pedra, em trekkings que podem levar um par de dias ou mais de uma semana.

Ushuaia é a maior cidade da Terra do Fogo, e vive apenas do cenário onde nasceu, nas margens do canal Beagle. Na época certa, é invadida por turistas que vêm esquiar; durante o tempo menos frio, podemos caminhar nas zona aberta ao público do Parque Nacional da Terra do Fogo, entre a belíssima baía Lapataia e o lago Khami (Fagnano).

Do lado chileno, Punta Arenas toma ares de capital, mas é apenas uma Puerto Natales maior: uma povoação de ruas retas e casas coloridas, que se abrange toda com o olhar do alto do morro mais próximo. Do lado argentino, Calafate tenta reviver Buenos Aires na sua movida de restaurantes para turistas e cafés com classe – alguns recriam um ambiente europeu, mais antigo do que o próprio país.

Viajamos num mundo pardo e parado, de árvores nuas e charcos gelados, onde a única coisa que corre é o vento. Aquele vento que assobia antes de chegar e nos bater com força. Vacas, cavalos, ovelhas, guanacos, nandus e kaikenes*. Gente, nem vê-la, fechada e calafetada entre paredes, em casas de madeira e lata que são fortalezas de conforto e calor. O céu ameaça cair em cima das nossas cabeças, rosado do lado do mar e cor de chumbo do outro. Ninguém.

Felizmente, as fronteiras entre os dois países são fáceis de atravessar. Podemos, num simples círculo, abraçar os locais mais espantosos deste Mundo do Fim do Mundo, como lhe chamou Luís Sepúlveda; para mim, um fascinante e admirável mundo novo, um lugar luminoso e agreste como já há poucos no planeta.

* kaiken ou cauquen – ganso da Patagónia


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