No Reino dos Assassinos

Viagens com Livros

Hoje, tal como nos anos 30, viajar nas montanhas do norte do Irão não é coisa que se faça com facilidade. Mas os Castelos dos Assassinos mantêm-se tal e qual como foram descritos por Freya Stark no seu livro The Valleys of the Assassins.

Irão: na rota da Seita dos Assassinos

Em Ghazvin, no norte do Irão, a pequena pensão em que fiquei estava decorada com pósteres do turismo publicitando o castelo de Lambesar, uma das fortalezas da Seita dos Assassinos. Propunha-se uma visita de jipe e a pé, uma vez que o inverno tinha começado, e os táxis já não queriam arriscar atravessar as montanhas com neve ou excesso de lama. Em 1931, Freya Stark iniciou o seu périplo nessa direcção montada numa mula, e fez em vários dias aquilo que agora se faz num só. A caravana elevou-se lentamente pelas montanhas, avistando as “aldeias afastadas, debaixo de árvores como ilhas”, espalhadas pelas encostas do Elburz, a dois passos do mar Cáspio. O meu jipe fez o mesmo, conduzido por Karim através de vales férteis e cumes polvilhados pelas primeiras neves. Os rios cavam vales profundos nas montanhas inóspitas e secas da zona de Alamut. A paisagem é cor de terra, do beje ao castanho, tendo os verdes desaparecido nas temperaturas baixas do inverno.

Desde que Marco Polo por aqui passou, este nome ecoou na Europa como um exemplo dos perigos e mistérios da Ásia; o Castelo de Alamut, o Velho da Montanha e a Seita dos Assassinos transformaram-se numa atracção irresistível para esta mulher aventureira e solitária, apaixonada pelo Médio Oriente. Diz-se que aqui nasceu a palavra “assassino” e a sua seita reinou espalhando o terror mesmo após a invasão mongol do século XIII, que arrasou cinquenta ou mais das suas fortalezas. Freya conta-nos a empolgante história do Velho da Montanha, antes de nos guiar pelos trilhos: “Os Assassinos eram uma seita persa. Eram um ramo dos ismaelitas, que eram um ramo dos xiitas, que ainda constituem praticamente a totalidade da Pérsia e que dão particular veneração ao genro de Maomé, Ali, e aos imãs da sua casa.” Abreviando, Hasan-i-Sabbah, que ficou conhecido como o Velho da Montanha, juntou-se aos ismaelitas em 1071 e acabou por ser o primeiro Grande Mestre dos Assassinos. O seu truque era recrutar jovens e levá-los para o seu castelo, onde, drogados com haxixe, lhes dava a conhecer todas as delícias do Paraíso com a ajuda de algumas formosas jovens, perfumes inebriantes, vinho, iguarias deliciosas e outros confortos físicos; uma vez convencidos de que ele tinha poderes para levá-los ao Paraíso quando quisesse,  era só dar-lhes ordens – geralmente o assassinato de oponentes políticos ou de alguém que ameaçasse os seus interesses. Conta-se então que foram estes “hashishin”, palavra derivada de haxixe, que deram origem à palavra assassino, trazida pelos Cruzados para a Europa.

O castelo de Alamut

“Há muito que eu queria lá ir. Mas havia obstáculos. Um deles era não conseguir encontrá-lo no meu mapa. Havia o distrito de Alamut mas nenhuma aldeia de Alamut”. Karim explicou, depois de pararmos o jipe e começarmos a caminhar monte acima, que a zona tinha sido conhecida por Rutbahr-Alamut, mas tinha havido uma divisão administrativa que criou aqui uma outra zona chamada Rutbahr-Shahrestan; a aldeia de Alamut não existia, nem tão pouco um “castelo de Alamut”, porque só nesta área eram cerca de sete, os castelos dos assassinos. Mas o nome de Alamut pegou para simplificar, ao apresentar a coisa aos estrangeiros; “São eles e não os habitantes do vale que assim lhe chamam, e fizeram-no com tal eficácia que agora as pessoas de Qasir Khan também começaram a falar de Alamut aos estrangeiros, e só depois de questionados admitem que não é esse o seu verdadeiro nome”, diz-nos Freya.

Mas os problemas de localização já existem: o castelo de Alamut, que na verdade se chama Gombar Khan, está indicado por uma placa, assim como o de Lambesar, que é o maior e mais impressionante de todas as ruínas deixadas por estes senhores do terror. A primeira torre e um pouco das muralhas avistam-se da última aldeia, mas a imensidão da área abrangida pela fortaleza só aparece quando se chega ao cimo do monte. “A coisa mais notável na paisagem era o seu silêncio: imensa e cinzenta, sem uma voz de qualquer tipo” (…) Tal como Freya testemunha, a área do castelo é tão grande que as aldeias continuam a trazer para aí os seus rebanhos, vigiados por enormes cães. “As paredes já não estão intactas no cimo da sua montanha de pedras, mas as suas ruínas e o vale inóspito e sombrio são tão impressionantes como sempre foram. Não há vegetação de porte, apenas contrafortes altos e precipícios. As fundações de Lambesar esboroaram-se, mas continuam a dominar a paisagem a curta distância, já que seguem dentro e fora os contornos do recortado cone da montanha e encerram uma superfície inclinada de uns 500 metros de comprimento e 200 de largura, onde restos de edifícios se encontram espalhados”.

Melhor descrição do lugar não é possível fazer, apesar de terem passado uns setenta anos depois desta visita. Karim diz-me que quando era criança havia um guarda, as paredes estavam em melhor estado, havia algum cuidado; agora está tudo completamente ao abandono e a torre da entrada sul é que ainda deixa ver um pouco da antiga grandiosidade do lugar. Nos locais em que o precipício é mais a pique pouco resta da muralha, que devia ser mais frágil, mas a cada saliência do recorte aparecem as ruínas de uma torre. Freya fala também de milhares de estilhaços de cerâmica colorida espalhados pela área; pois bem, ainda continuam por lá, à espera de serem recolhidos e estudados por arqueólogos. Encontramos também o que resta de um edifício principal, com vista sobre o vale verde onde serpenteia o rio, e várias cisternas cavadas na rocha assim como buracos de outro tipo, que serviriam para armazenar cereais. A água vinha por canais cobertos escavados na montanha, que desciam 900 metros até ao rio e ainda hoje é possível ver alguns troços. Com o seu aspecto belo e ameaçador, o castelo de Lambesar é a imagem acabada da sua história, repleta de romantismo e mistério. Não é difícil imaginar Hasan-i-Sabbah ou um dos seus sucessores no alto de uma das velhas torres, perscrutando o horizonte. Esperam o regresso de assassinos ou emissários anunciando que as ordens foram cumpridas, enquanto nuvens negras de chuva e neve se acumulam sobre as montanhas que cercam o castelo. Descemos ao vale debaixo dos primeiros pingos, enquanto as nuvens sombrias se abatiam sobre Lambesar.

Freya Stark

Nasceu em Inglaterra (Basingstoke), em 1892. Os seus 101 anos de vida foram dedicados a muito mais do que a escrita e as viagens. Freya também fotografou, cartografou e ficou conhecida como exploradora e etnóloga. O seu interesse sempre foi o mundo islâmico, e as informações geográficas e estratégicas que foi fornecendo ao império britânico acabaram por lhe merecer o título de Dama, atribuído pela rainha. Viveu na Inglaterra até aos onze anos, e depois da separação dos pais partiu para Dronero, na Itália, onde a mãe se juntou a um conde italiano para montar uma fábrica de tapetes. Aos treze anos, um acidente com uma das máquinas da fábrica fez com que ficasse com uma grande cicatriz na parte esquerda da cara, que sempre tentou tapar com o cabelo ou com chapéus estapafúrdios que passaram a ser a sua imagem de marca. Percorreu extensivamente o Médio Oriente, aprendeu árabe no Líbano, viveu em Bagdad e fez grande sucesso com os seus escritos sobre o Irão. Até morrer, em 1993, garantiu que fez tudo isto para seu prazer e divertimento, e ao lermos as suas páginas não é difícil acreditar.

A Obra

O Vale dos Assassinos foi publicado em 1934 e é considerado um dos mais interessantes livros de Freya. Mesmo na época foi considerado um clássico entre os livros de viagens. As histórias das suas peregrinações solitárias por territórios onde uma mulher não se aventurava sozinha transformaram-na numa atração junto da elite intelectual inglesa. No entanto, o seu estilo de escrita está longe de ser pretensioso e as suas descrições de lugares mostram como a escritora se deliciava profundamente com os lugares por onde passava. De vez em quando há um toque de sentido de humor e uma pitadinha do inevitável sentimento de superioridade que marca qualquer britânico de gema. Durante a sua vida publicou cerca de trinta livros, entre os quais mais de uma dezena de volumes dedicados à sua biografia e correspondência.

Adaptado de texto publicado no magazine Fugas, do Público


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