Embora durante um trekking se coma sobretudo paisagem, o meio de transporte é o nosso próprio corpo, e vale a pena dar atenção especial à alimentação.
Comida de trekking
Antes de agradar ao palato, a comida de trekking deve dar ao corpo aquilo de que necessita: energia saudável para vencer montanhas, potássio para evitar as cãibras, e muita hidratação.
As condições são determinantes para saber o que se necessita e, pelo menos da primeira vez, convém prestar alguma atenção à organização da parte alimentar – das outras vezes, a experiência intervém e a lista de coisas a ter em conta flui.
Basicamente, clima, esforço, duração e condições físicas são as condicionantes que devemos ter em mente quando pensamos no que nos vai alimentar durante todo o percurso.
Um clima de altitude, seco e exigente, pede muita água (beber sempre, em pequenos goles, mesmo sem ter sede) e é sempre bom adicionar algum alho extra à comida, para favorecer a circulação e o coração. O gengibre ajuda a evitar as enxaquecas causadas pela altitude e também é bom para prevenir constipações indesejáveis durante a viagem.
Um grande esforço, sobretudo continuado, pede ainda mais hidratação e aumento dos alimentos energéticos, de entre os quais destaco os frutos secos bem açucarados, como tâmaras, damascos, ameixas, figos e passas que, para além da energia suplementar, também estão carregados com potássio natural.
Se o trekking durar dois ou três dias, podemos facilmente viver de refeições desidratadas (basta juntar água), barritas e frutos; mas no caso de trekkings extensos, é bom levar consigo alguns daqueles paladares reconfortantes (chocolate, queijos de longa duração, etc) em forma de alimentos facilmente transportáveis e de preferência que não sejam muito pesados.
Em trekkings de altitude, convém evitar o consumo de álcool e de café: os batimentos cardíacos já ficam mais acelerados com a falta de oxigénio e o álcool desidrata, por vezes, brutalmente.
As condições físicas de cada um também são determinantes, não só a nível do que se pode/deve comer e beber, como a nível da quantidade. Não esquecer uma visita ao dentista (as cáries tendem a desenvolver-se rapidamente em meios com menos oxigénio, que é o caso da alta-montanha), e levar os medicamentos que de vez em quando toma em casa.
Idealmente, o consumo de alimentos deveria se distribuído da seguinte maneira:
– pequeno-almoço (café da manhã) abundante e energético, com frutos secos, cereais (pode ser sob a forma de pão) e bebidas vegetais (aveia, soja, etc.) ou “café” de cereais, tipo cevada;
– durante a caminhada, consumo de hidratos de carbono de absorção rápida (frutos secos, chocolate, etc) e muita água (ou bebidas energéticas) distribuída pelo percurso; a juntar-se a isso pode consumir-se uma sandes que tenha sobrado da refeição da manhã;
– a última refeição do dia não deve ser muito abundante, mas é nesta altura que deve consumir hidratos de carbono de absorção lenta (massas, batatas e arroz serão os mais comuns), proteínas (leguminosas, por exemplo), gorduras e sais minerais. É a altura de abusar dos legumes e da fruta fresca, se puder.
Um conselho útil no que diz respeito à bebida é levar o seu próprio cantil e pastilhas de desinfeção, ou filtro próprio. Assim, evita doenças transmissíveis pela água e não contribui para a praga das garrafas de plástico. Tudo o que for embalagem deve ser transportado consigo até um lugar onde possa ser descartado sem causar danos; em zonas de pouca humidade, como o deserto ou a montanha, a degradação dos detritos é ainda mais lenta.
Isto dito, se fizer um trekking organizado por uma agência, não se esqueça de se informar sobre o que vai ser fornecido, para completar a alimentação com o que gosta/precisa. Não esquecer também de comunicar alergias alimentares ou necessidades próprias (comida vegetariana, por exemplo). Não é verdade que tem de comer “o que há”; no Paquistão, no trekking do K2 “é costume” levar um animal vivo para matar pelo caminho – são 18 a 19 dias pelo glaciar Baltoro e pelo passo de Gondogoro –, mas bastou pedir à agência para dar o valor do animal aos carregadores e a “tradição” mudou instantaneamente.
Geralmente, os albergues da Europa, alguns da América do Sul, como Torres del Paine, e também do Nepal, no Circuito dos Anapurnas ou em Poon Hill, por exemplo, já estão acostumados a turistas caminhantes e providenciam as necessidades básicas. E não é por acaso que o prato típico do Nepal, o popular dal bhat, é constituído exatamente por aquilo que se deve comer em montanha.
Durante a experiência inesquecível do trekking, muitas vezes ultrapassamo-nos fisicamente, tendo como paga o acesso a locais de uma beleza incrível e onde só se chega a pé. No fim de um trekking curto, entre dois a cinco dias, acabamos por sentir-nos com mais força, e não o contrário. E se tudo correr bem, como costuma acontecer, em breve vamos ter vontade de repetir e até de levar as caminhadas mais longe, alcançando aqueles lugares que antes só víamos em fotografias ou documentários. Porque o prémio de um trekking é sempre a beleza e o silêncio, duas coisas que nos alimentam mais do que toda a comida do mundo…
Adorei as dicas preciosas. Muito obrigado.
Obrigada, Jess.